segunda-feira, 9 de março de 2009

A traição das traduções – Novo comentário de Jorge Palinhos e resposta de Hugo Xavier

A disputa continua (ver aqui o post anterior) e Hugo Xavier e Jorge Palinhos continuam a discutir o tema das traduções. A negro temos o novo comentário de Jorge Palinhos e a azul a resposta de Hugo Xavier.

«Caro Hugo Xavier,

Vou começar por responder à sua pergunta:
"Onde é que no meu texto está que eu ataco toda uma classe?"

E faço-o com excertos do seu primeiro texto:
"Quero falar da enorme dificuldade de encontrar bons tradutores e dos motivos que estão por detrás disso."
"É, de facto, cada vez mais complicado encontrar bons tradutores, literários e não só. E, curiosamente, o mercado oferece cada vez mais profissionais desta área. (...)Mas falta sempre algo."
"Os poucos que sobreviveram a estes problemas tinham o grande problema por resolver (...) estes candidatos a tradutores fazem parte da maioria da população que não lê ou lê pouco."
"Já nem sequer falo aqui do total desconhecimento da língua de partida (...) da falta de cultura geral (...) ou da falta de informação."
"sou constantemente surpreendido pelas traduções assombrosas que por aí pululam."
"E há muitos leitores míopes e dos outros que dependem de nós, para já não referir muitos futuros tradutores."

No texto original dizia: "Quero falar da enorme dificuldade de encontrar bons tradutores e dos motivos que estão por detrás disso." E os motivos que identificou nesse texto tinham apenas a ver com a qualidade profissional dos tradutores. Se isto não é atacar uma classe profissional, Hugo, não sei o que é que será.

Então vamos deixar de ser políticos: como quer que diga isto? Recebo por semana cerca de 30 CV's de tradutores, por norma faço semestralmente testes de tradução e os resultados são invariávelmente desastrosos. Salvo uma percentagem mínima de excepções e acredite que os motivos dos desastres são, de facto, falta de brio, desmazelo, falta de cultura geral e conhecimentos linguísticos.

Agora, também sei que há bons tradutores. Há-os. Alguns deles trabalham connosco. Outros têm dado provas noutras editoras. Mas são uma minoria.

Assim e resumindo: estou a atacar, a criticar a maioria de uma classe profissional. E é a maioria que peca pela falta de profissionalismo. Porque para se embarcar numa profissão é preciso ter aptidão. E o engraçado é que já sei que quem responde a estes meus comentários são, geralmente, bons tradutores. Como é que o sei? Porque os textos estão bem escritos. A maior parte dos testes que tenho em minha posse – convido-os a visitarem a Cavalo de Ferro e constatarem – sofrem de erros gravíssimos de falta de conhecimento de português.


Agora diz que as tiragens que se fazem não comportam pagamentos mais elevados. Sei que há muitas tiragens mínimas. Mas também sei que há tiragens elevadíssimas. Sei que há primeiras edições de 10 000 e 20 000 exemplares para cima. Sei que as edições portuguesas iniciais de Sveva Casati Modignani, de Nicholas Sparks, de Dan Brown e de outros best-sellers têm tiragens muito acima de 1500 exemplares. Será que os tradutores destes autores, que contribuem de forma vital para a forma como são lidos em Portugal, ganham mais por isso? Duvido muito.

A tiragem média de livros em Portugal é de 1200 exemplares com tendência para baixar. Sabe como se acha uma média? Então calcule quantos são os livros com tiragens acima dos 10.000 exemplares para que a média seja de 1200 exemplares... Seja como for, eu nunca trabalhei com livros e autores desses. E nos casos em que tive obras com potencial para tiragens dessas, falei com os tradutores e propus o pagamento da tradução com valores normais e uma percentagem das vendas dos volumes seguintes. Curiosamente nunca aceitaram estas condições. Preferiram sempre negociar um valor superior.

Neste texto fala de haver excesso de formação para a área e de haver necessidade de outras línguas. Neste caso a culpa não pode ser só imputada aos tradutores, mas às faculdades de letras, que insistem na formação em tradução literária e nas línguas convencionais do inglês, francês e alemão, para aproveitar o corpo docente que têm, perito em literatura, linguística e pouco mais. Uma pessoa que queira línguas alternativas tem de procurar as escassas escolas que dão outras línguas ou é obrigado a ir viver para o estrangeiro.

Nunca culpei os tradutores de falta de formação nas faculdades, por amor de Deus! Culpo-os de não procurarem a oferta que existe e acredite que existe. E também há programas universitários de intercâmbio diverso.

Também a pergunta de haver tanta gente a oferecer-se para fazer traduções não é difícil de imaginar, tendo em conta o desemprego que grassa entre os licenciados em letras, devido à falta de vagas no ensino.

Que posso eu responder que não tenha já dito em textos neste blogue e em conferências e outras? Eu sou formado em letras. Ainda na FLUL já eu dizia que o número de alunos devia não apenas ser restringido como deveriam ser feitas provas de acesso em função dos reais interesses e valias dos alunos. Uma sociedade só progride se se souber orientar os seus valores!

Caro Hugo, tenho muito admiração pelo catálogo e pelos livros da Cavalo de Ferro, mas creio que nestes seus textos está a tentar imputar aos tradutores muitas culpas que eles não merecem e isso é injusto. Já nos basta que metade da população do país seja perita em crítica de tradução. É também é injusto criticar jovens tradutores que procuram uma primeira experiência profissional, com todos os erros e inexperiência que isso implica, numa área onde se trabalha sozinho, com apoio mínimo ou nenhum. E é ainda mais injusto porque, como diz acima o Jorge Candeias, as traduções que hoje se fazem são muito melhores das de há umas décadas. Basta folhear o fundo de catálogo da Europa-América e da Livros do Brasil para o confirmar.

Obrigado pelo elogio que faz aos livros da Cavalo de Ferro. Esse sucesso faz-se da escolha de livros que fazemos, muitas vezes sugeridos pelos nossos tradutores, outras por nós. Mas faz-se também da qualidade e valor dos tradutores.

Pediram-me que fizesse um texto de opinião. Resolvi falar sobre um problema que me preocupa. Não disse que era o único problema. De forma alguma. Aliás, no ano passado falei do problema dos livreiro e também acharam que eu estava a falar do único problema do mercado de edição.

É uma pena que as pessoas não possam emitir uma opinião. Tudo o que disse agora como o que disse na altura sobre as livrarias é verdade. Se me contestam o tom, nunca me conseguiram contestar o conteúdo, porque desse tenho eu provas.

Por favor percebam o que quero dizer: não estou a falar dos tradutores interessados que passam por este blogue porque sabem do meio onde trabalham. Conhecem alguns dos novos miúdos que vêm das faculdades? É disso que falo, e atenção que não é sequer uma crítica aos tradutores jovens, que é natural que tenham menos experiência e conhecimentos. Quem me conhece sabe bem que trabalho e apoio vários tradutores jovens. Mas é preciso ter talento nisto da tradução, como em qualquer coisa que envolva a transposição de uma arte. Não é simples. Mas tem de haver uma chama e na maioria dos casos não apenas não há chama como não há capacidades. São dezenas de dossiers grandes com testes acumulados ao longo de quase de 10 anos de actividade. Se não constituem prova não sei o que possa.

Cumprimentos

Hugo Xavier»