Sob o título Bybliófilo, Jorge Reis-Sá comenta (violentamente) o encerramento da Byblos no seu Rua da Castela, referindo que, enquanto editor, a Byblos nunca lhe pagou «um tostão». Mas há mais, no texto que reproduzimos abaixo.
«Acabou sem ter começado. Venha daí a santa insolvência, ou para quem quer dizer as coisas pelos nomes: pode falir o projecto mas não me responsabilizem a mim, Américo Augusto Areal, por má gestão. Pode a sua empresa ficar a arder em alguns milhares de euros, mas não me lixem que eu quero a minha casa na Foz e as fotos pomposas com a Isabel Pires de Lima e ser o maior do mundo porque o meu projecto é que era e ninguém reparou que o meu projecto é que era.
Fiquei a arder. Assim, sem mais: bem chamuscado. Porque uma pequena editora como são todas - salvaguardando os citados tubarões (Porto Editora, Leya, Presença, Gradiva, Bertelsmann) - precisa de sítio onde colocar os livros. De bybliófilos. De confiar para ter alguma visibilidade. Não se podem dar ao luxo de não fornecer. Ou podem? Deixo a pergunta. Pedir um cheque caução: não davam. Não fornecer? E quem explica isso aos autores e leitores?
Enfim, agora quem vier atrás que carregue no botão, disse bem o Pedro Vieira. Disseram bem o José Mário e mais ainda. Disseram todos bem de como é impressionante a maneira como se tratam os fornecedores. Vou contar. Não resisto. Vou contar. A Byblos pagava (ou dizia que pagava) a 120 dias. 120, meus queridos, 120. A Byblos pedia um desconto de 40% sobre o preço de capa. 40%, meus querido, 40%. A Byblos nunca, desde que em Fevereiro vendi o primeiro livro e coloquei uma consignação, me pagou um tostão. Um tostão que fosse. Mas a culpa não é deles. Fevereiro com quatro meses (120 dias) dá Junho. Metem-se as férias. Depois em Setembro é o escolar. Outubro e Novembro o grande veículo de espantosa gestão estaria a pensar no Natal, pagar não dava. Em Janeiro devolvia-se tudo e vinha o acerto ("sem a nota de crédito não podemos efectuar o pagamento", parece que estou a ouvir, mesmo que a nota de crédito fosse de 20,34 euros e o pagamento devido - desde Junho - de 3 409, 89 euros). Depois era a Feira do Livro e a Byblos iria ter um grande e maravilhoso stand. Depois vinham as férias, e desta maneira podemos ir vivendo à custa dos fornecedores.
Mas, meus amigos, acham a Byblos a única? Eu consegui ir buscar os livros há quinze dias, depois de dizer que ia facturar tudo e meter tudo em tribunal. Ah, o tribunal. Agora o Estado quer o seu - que está em atraso (aposto como a segurança social também quer o seu) - e depois há os bancos. Os fornecedores? Que carreguem no botão. Mas dizia: a única? Deixem-me rir, dizia o Jorge Palma. O pão nosso de cada dia é este. Os editores que carreguem no botão.
Sabem porquê? Porque isto está tudo errado. Culpa? Dos editores. O quê? Deu-lhe uma coisa, pensam. Sim, dos editores. Para quando o fim da estúpida forma de fornecer a firme com direito total a devolução? Eu proponho: forneça-se a firme sem direito a devolução ou forneça-se à consignação com apuramentos das vendas pelas vendas reais. A Loja das Quasi abriu há uma semana. É impossível fazer perceber aos fornecedores que é uma coisa pequena, que vai ter poucas vendas, que vamos andar a dar dinheiro às transportadoras com as devoluções. Impossível. E nós não indexamos as devoluções aos pagamentos, pagamos sem devolver nada para abater. O que quer dizer que vamos adiantar dinheiro sobre o que ainda não vendemos. Não tem mal, pensam os editores. Assim vemos o dinheiro deste lado. Sim, mas de que vendas? E se não houver vendas? Tomei uma decisão e agora e é mesmo: a partir de segunda-feira só entram livros na Loja das Quasi se vierem à consignação. Faremos reposições a firme e acertaremos stocks mensalmente. Quer isto dizer que se vendermos e não acharmos necessária a reposição tentaremos dar conta ao fornecedor dessa venda para que se envie a factura. Estou cansado de me queixar e cansado de sentir que não posso fazer nada. Posso: a Loja das Quasi será gerida como nós queremos. É claro que não temos a equipa de gestão da Byblos, maravilhosa, fantástica, um administrador com anos de negócio que sabe de tudo e ainda de mais alguma coisa. Mas tentaremos.
Se tivesse sido assim, talvez a Byblos não tivesse fechado. Ou se fechasse, talvez tivesse de ter enviado um cheque caução para se ver a sua boa fé. Boa fé? Não houve. Ouvi dizer um dia que para Américo Augusto Areal a Byblos era como um melão, só se sabia se ia dar depois de aberto. Com uma tão boa gestão, nada como reparar que estava podre desde o começo.
[Em cima, o antigo dono da ASA II (II? 2? Pensem lá porque será...)] (*)
(*): no post de Jorge Reis-Sá, podemos ver ao topo uma fotografia de Américo Augusto Areal.