Hugo Xavier enviou-nos o texto que reproduzimos abaixo. Hugo Xavier é bastante claro ao referir que esta é a sua opinião pessoal e que a mesma «pode não reflectir as opiniões dos outros editores da Cavalo de Ferro»
«Para começar acho que chega, de uma vez por todas, de se ser hipócrita no mundo da edição em Portugal. Tenho lido "n" comentários neste blogue em que se argumenta uma eventual distinção entre editoras e empresas ou grupos empresariais. Ninguém me convence que a preocupação com a publicação de livros seja maior ou menor numa comparação entre, digamos, a Cavalo de Ferro e o Grupo Leya. Ambos queremos que os livros que publicamos sejam um sucesso e que vendam para podermos continuar a publicar mais e ganharmos dinheiro com isso. Ora essa questão é vital quando falamos de uma Feira do Livro que representa um bom naco das vendas anuais dos editores portugueses.
As Feiras de Lisboa e Porto (como quaisquer outras no nosso país) são feiras de venda, não de apresentação ou exposição. Ora diga a Leya o que quiser e, salvo no segmento do livro escolar, a feira vai ser sempre importante para qualquer editor pela quantidade de leitores que aglomera. Sobretudo numa época em que se tem vindo a verificar que as pessoas não compram livros no primeiro semestre do ano à espera das grandes feiras.
No que toca ao problema da organização da Feira e a guerra entre as duas associações que, todos sabemos, existem devido a guerras entre editores do segmento do livro escolar - e não me venham dizer que alguma vez poderá haver consenso quando a divisão parte de conflictos inconciliáveis e inimizades pessoais - , mais uma vez assistimos ao triste espectáculo dos últimos anos. Em cima da Feira do Livro - um evento que, pela dimensão que agora se apregoa, merecia ter sido discutido e aprovado com muito mais antecedência - é que se começa a puxar a brasa à sua sardinha. Esta discussão devia ter-se dado desde o começo do ano ou mesmo desde o final do ano transacto. O ideal seria mesmo que se discutisse a Feira do Livro do ano seguinte após a do ano presente, altura em que os problemas e situações a alterar estariam mais presentes na mente de todos os intervenientes.
As posições das Associações foram infantis. Tendo a CML pedido comedimento enquanto preparava a sua resposta vimos a APEL a apostar numa política de desinformação constante e de show off. A UEP, por sua vez, colocou-se numa posição de expectativa e silêncio de uma inocência ridícula face aos comunicados, cartas abertas e supostas reuniões organizados pela APEL.
Nessa altura, como ainda recentemente neste blogue se citava alguém a defender, dizia-se que a participação das editoras devia ser feita em pé de igualdade. Não percebo. Quem diz isso quer porventura insinuar que a Cavalo de Ferro pode comparar-se ao Grupo Leya? Em qualquer feira internacional (veja-se Frankfurt) as editoras têm os espaços que o seu poder económico permite. Aliás o pavilhão dos pequenos editores é um bom exemplo disso. E ninguém pode garantir que, havendo mais liberdade dentro de limites gerais, a Cavalo de Ferro não pudesse montar um espaço e um conjunto de campanhas mais atractivos do que o Grupo.Leya.
É urgente que as associações percebam o papel real que representam. Esse papel é, para a maioria das editoras, apenas o de, estando a elas associados, poderem participar na Feira do Livro.
Sabemos que a Feira do Livro representa um dos poucos encaixes financeiros para qualquer das Associações mas, em vez de lutarem por ele de forma baixa e mesquinha, conviria que analisassem o porquê dessa situação de total ineficiência no sector.
O associativismo de um sector que, por tradição, no nosso país, nunca se conseguiu unir - nem de longe nem de perto - não é útil. Enquanto os editores portugueses não perceberem que estão a perder a guerra e que essa guerra não é contra outros editores ou associações ou sequer o Estado. Que é uma guerra contra a tremenda situação de um país com quase 10 milhões de habitantes e no qual há 100.000 grandes leitores (aqueles que lêem, supostamente, mais de 10 livros por ano), não vamos passar da cêpa torta. Vamos continuar a parecer uma classe profissional (muito pouco, aliás) ridícula e mesquinha nas atitudes que toma.
A luta dos editores deve ser contra o analfabetismo intelectual, contra um sistema de ensino podre que não traz qualquer incentivo à leitura e à edificação e qualquer batalha só pode ser considerada ganha quando traz para o campo dos leitores pessoas que o não eram. Sem leitores não ganha nem a Cavalo de Ferro nem o Grupo Leya.
No que toca à posição e comportamento do Grupo Leya, se não concordo com os resultados, tenho de concordar com os motivos: se, como agora, a minha editora vê uma fonte de rendimento essencial em risco de não se realizar por causa de duas associações com posições ridículas, eu não hesitaria em usar todos os contactos e trâmites legais ou não para conseguir garantir a minha presença e, se isso pudesse acontecer dentro dos moldes que entendo ideais para o seu sucesso, tanto melhor.
Por último e talvez o mais importante: o comportamento e posições da CML perante este assunto. Indignos de uma edilidade de tal importância. Em primeiro lugar, aquando dos conflictos entre as associações, não soube impor ordem e respeito. Ao aceitar a proposta da APEL por ter tido primazia em termos cronológicos, revela ter cedido a um facilitismo intolerável. Mais valia ter cancelado de imediato a Feira - isso seria coerente. Mas não, aceita a candidatura da APEL - candidatura que, todos sabemos, defende uma moldura clássica para a Feira do Livro - , posteriormente e fora de todos os prazos admite a participação do Grupo Leya dentro de moldes específicos e fora do modelo clássico da Feira.
Como argumento para a importância da presença da Leya a CML diz que a participação de autores como Lobo Antunes, Saramago ou Lídia Jorge constitui interesse público. Não percebo. Estamos a falar dos livros ou das pessoas/autores? É do interesse público haver sessões de autógrafos? Ou que os leitores comprem os livros desses autores - tenho a certeza de que os alfarrabistas poderiam colmatar facilmente a ausência desses autores mas mais me pergunto: caso a Feira não se realize será que a ausência da Feira da Cavalo de Ferro, que representa 7 prémios Nobel e largas dezenas de autores vencedores de prémios como o Cervantes, o Goncourt, o Nadal, o Grinzane-Cavour, o Strega, o prémio de melhor romance europeu, o Fémina, o Príncipe das Astúrias, e muitos, muitos outros; de nomes como Ariosto, Boccaccio, Laxness, Rulfo, Cortázar, Andric, Flannery O'Connor e de várias obras que, inclusivamente, fazem parte da «Lista de Obras Representativas da Humanidade, escolhidas pela UNESCO», não será também ela contra o interesse público?
Sinceramente penso que de entre todos os intervenientes não se eleva uma voz inteligente e inteligível. Acho a situação vergonhosa e sinto-me muito mal por estar nela envolvido. Infelizmente não esperava outra coisa de um país onde uma agência nacional funciona dentro de uma associação comercial ou onde não há qualquer fiscalização jurídica e laboral num sector tão vital como o do livro ou ainda num país onde todos os envolvidos no sector sabem da falta de mecanismos para realizarem com eficiência o seu trabalho (como uma base de dados de stocks que ligue distribuidoras, livreiros e editores) pelo simples motivo de que muitos deles preferem continuar a trabalhar ilegalmente. Assim e pelo meu lado vou continuar a, calmamente, esperar que nasçam os dentinhos das crianças envolvidas passando assim as birrinhas e que o horizonte se desanuvie. A única vantagem de um eventual atraso é que o tempo anda mau.
Com os melhores cumprimentos e votos de continuação de bom trabalho.
Hugo Freitas Xavier
Coordenador Editorial Cavalo de Ferro Editores»