sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Entrevista: José Afonso Furtado

Sérgio Almeida, para a elaboração desta reportagem sobre a concentração editorial, ouviu alguns especialistas do sector editorial. Entre eles, José Afonso Furtado, autor de O papel e o pixel (Edições Ariadne).

Uma vez que não foi possível ao jornalista, por motivos de espaço, publicar na integra as declarações deste investigador, aqui ficam as mesmas. Com o devido agradecimento ao Sérgio Almeida e ao Prof. José Afonso Furtado.

1. Acha que a grande surpresa nesta vaga recente de concentrações é apenas o atraso com que chegou ao nosso país?
Não julgo que haja grande surpresa neste movimento. Contudo, alguns factores (o atraso é certamente um deles), levam a que assuma características um pouco atípicas. Noutros países, o fenómeno da concentração fez-se normalmente por concentração no mercado interno e só depois se assistiu a fenómenos de internacionalização dos grupos, muito pela estratégia de expansão no sector multimedia. Entre nós tal não aconteceu, e por isso a indústria da edição pautou-se pela acção de uma miríade de pequenas e médias empesas, sem massa crítica e poder negocial, o que tornou o nosso mercado particularmente vulnerável a operações de players externos. Verificou-se a entrada da Bertelsmann no Book Club, a aquisição da D.Quixote pela Planeta, a expansão da Bertelsmann para o mercado livreiro e a concentração no retalho. A partir desse momento, ocorreu uma alteração de escala e de ritmo, e é a essa vaga ainda pouco nítida - porque em ebulição e por se jogar em vários tabuleiros com agentes com interesses diferenciados no sector -, que estamos a assistir.

2. Quais as principais vantagens e desvantagens que associa a esta tendência?
As vantagens podem passar por conferir dimensão, maior fôlego financeiro e capacidade de gestão estratégica às editoras envolvidas, e por equilibrar a relação de forças entre a edição e o retalho. Eventualmente, pela capacidade de expansão nos mercados de língua portuguesa, aumentando a difusão dos autores do nosso espaço linguístico. As desvantagens, diria antes os perigos, têm a ver com a predomínio de uma ideologia eficientista na gestão editorial, com uma possível transferência de autores menos «rentáveis» para editores independentes e com as dificuldades acrescidas que estes vão encontrar no acesso às livrarias, onde a concorrência irá tornar-se ainda mais agressiva. A publicação de certos géneros e autores vai tornar-se problemática e, ainda que o sejam, a sua visibilidade nos pontos de venda será muito escassa, provocando uma diminuição da gama da oferta ao consumidor.

3. Como interpreta a reacção inicial de desagrado adoptada por autores como Lobo Antunes ou Lídia Jorge?
Entre nós não há uma tradição de agenciamento ou de forte capacidade negocial dos autores junto das editoras. Por isso é normal que estes, perante uma nova configuração empresarial, demarquem o seu território de modo a obterem garantias que preservam as suas condições anteriores de trabalho.

4. Acredita que este surto de concentrações vai ficar por aqui ou é de prever novas investidas nos tempos mais próximos?
Uma das características destas movimentações é saber-se como começam mas não quando e como acabam. Está em jogo a liderança de segmentos de mercado e, por isso, considero muito provável que este surto se vá prolongar, embora mais lentamente. Julgo que, a escalas diferentes, tanto a Porto Editora como o Grupo Bertelsmann irão tentar reforçar a sua posição competitiva.