sábado, 1 de dezembro de 2007

Acordo ortográfico - Argumentos contra

Diferenças com o Brasil vão continuar

Custa dinheiro e não tem nenhuma vantagem para Portugal, afirmam os que se opõem ao acordo. Além disso, acrescentam, "nem sequer é um acordo", porque há palavras que se vão continuar a escrever de maneira diferente em Portugal e no Brasil.

Vai continuar a haver duas grafias
"O acordo mantém as diferenças, não vai unificar nada. Estão a substituir umas diferenças por outras", argumenta Inês Pedrosa, citando os casos em que permanece uma grafia diferente para a mesma palavra para ela ser o mais próxima possível da forma como é pronunciada ("recepção" no Brasil, onde se pronuncia o "p", e "receção" em Portugal, onde não se pronuncia).

Enquanto escritora publicada no Brasil, mantendo a grafia portuguesa, Inês Pedrosa não vê qualquer vantagem. "Nunca nenhum dos meus leitores brasileiros me disse que tinha tido problemas com a grafia. Eu também prefiro ler o brasileiro na sua música original, que a grafia também exprime." Os equívocos que possam surgir são semânticos - "e esses continuarão e até são criativos".

"Os redactores do acordo perceberam que o modo como a língua é falada e escrita é tão distante que não é possível encontrar uma solução gráfica para tudo", explica o linguista Ivo Castro. "Em vez de se dizer que a palavra se escreve em todo o lado da mesma forma, estabelece-se que em cada país escreve-se como aí é pronunciada. É a diferença entre ter duas pessoas a discutir uma com a outra ou as duas combinarem que estão em desacordo."


Não nos vamos entender melhor
"A língua não é beneficiada nem prejudicada de forma significativa" com este acordo, considera Ivo Castro. Na verdade, este "pouco muda os nossos hábitos".

Há quem argumente que, se o que se pretende é um melhor entendimento, esse não vai ser possível, porque, se há equívocos entre portugueses e brasileiros, eles têm a ver com a riqueza da língua e não com a grafia. O brasileiro Ruy Castro, autor do livro Carnaval no Fogo, contou a propósito (na Folha de São Paulo) um episódio exemplar. Um dia, em Portugal, teria dito a uma secretária: "Isabel, por favor, chame o bombeiro para consertar a descarga da privada." Perante o espanto de Isabel, teve que ser ajudado por um amigo que fez a "tradução": "Isabel, por favor, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete."

Tem custos económicos
A revista brasileira Isto É perguntou a Mia Couto o que pensava do acordo ortográfico. Considerando que "não vai mudar a fundo as coisas", o escritor moçambicano criticou o facto de "as implicações que isso tem do ponto de vista económico [acabarem] sempre por sobrar para os países mais pobres". Para Mia Couto, "com esse dinheiro pode-se fazer coisas mais importantes, como, por exemplo, aumentar o conhecimento que temos uns dos outros". E lamentou: "Circulo por São Paulo e a maior parte das pessoas nem sabe o que é Moçambique."

Vasco Teixeira, presidente da Porto Editora, interroga-se, por seu lado, sobre o que vai o Governo fazer com as centenas de milhares ou milhões de livros que acabou de adquirir para o Plano Nacional de Leitura. Quando o acordo começar a ser aplicado nas escolas, argumenta Vasco Teixeira, os livros das bibliotecas terão também que ser substituídos, porque, "numa fase de sedimentação da aprendizagem, ter acesso a duas grafias confunde as crianças".

Apesar disso, o presidente da Porto Editora não vê grandes vantagens na moratória de dez anos. "Não são precisos dez anos para aplicar o acordo ao sistema educativo", diz. "Bastariam quatro ou cinco anos."

Alexandra Prado Coelho, Diferenças com o Brasil vão continuar, in Público, 25.11.2007, p.4