quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Livros: O papel e o Pixel, de J. Afonso Furtado; Escritório do Livro




Passamos a apresentar mais uma obra que nos parece de leitura obrigatória. Sobre o mesmo, veja-se o texto de Isabel Coutinho, publicado no jornal Público de 24 de Junho de 2006, abaixo reproduzido. As páginas referidas referem-se à edição brasileira da Escritório do Livro (imagem da esquerda). Para aqueles que nos possam ler em Espanha, reproduzimos igualmente a capa da edição espanhola (sim, isso mesmo, não existe edição portuguesa de Portugal. Por ora).

Para os interessados em adquirir a obra (versão português do Brasil), diz-nos a Livrododia que ainda dispõe de alguns exemplares.

Ainda acerca desta mesma obra, veja-se o texto de Rogério Santos, no Indústrias Culturais, aqui.



Pôr ordem na desordem da leitura, Isabel Coutinho
É do senso comum que, "para determinados tipos de tarefas de leitura, as tecnologias electrónicas não oferecem uma alternativa ao papel que seja pelo menos tão boa como o papel". E para se chegar a essa conclusão não é preciso ter passado pela experiência de ter lido muitos livros em formato digital ou em outros, que não o impresso. Mas reflectir a partir daí e ir mais longe já é mais difícil. Para nos guiar nessa reflexão nada melhor do que ler o livro "O Papel e o Pixel - Do Impresso ao Digital: Continuidades e Transformações", de José Afonso Furtado (director da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian e professor no curso de Edição na Universidade Católica).

O livro, uma edição muito bonita, sóbria, com um grafismo e tamanho ideal, foi publicado pela editora brasileira Escritório do Livro com o apoio do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. A obra, apenas disponível no Brasil, é erudita sem deixar de ser didáctica, levanta vários problemas ligados ao livro, à evolução da escrita e às práticas sociais e mentais de leitura, lê-se numas horas, e, como o autor é exaustivo nas fontes e referências, quem quiser aprofundar ainda mais os temas ali abordados tem o trabalho de casa feito.

"O Papel e o Pixel" é uma súmula do que o autor já publicou sobre este assunto, agora mais actualizado, pois as novas tecnologias estão em constante mudança. Os capítulos são "Livro eletrônico e edição eletrônica: tentativa de definição", "Versões eletrônicas e reconceitualização do livro no mundo digital", "Mediação tecnológica e remediação" e "Técnicas, textos, usos. Questões cognitivas e práticas sociais" e ainda uma introdução e uma conclusão.

Numa nota logo no início, o autor diz-nos que o volume tem por base dois textos, um deles publicado na revista de literatura "Românica" em 2004 e um outro que fez para o projecto Ciberdifusão, nunca publicado. Mas acrescenta que "[a obra] não resulta, contudo, da sua mera reunião, pois foram ambos revistos e adaptados para publicação como volume coerente e autónomo, que foi ainda objeto de significativa ampliação com material até agora inédito".

Estamos num "campo de turbulência", escreve Furtado na pág. 30, "em que a geração de publicações que exploram as capacidades específicas do universo digital, o crescimento exponencial da Web e a vulgarização do trabalho em rede e em ambientes hipertextuais questionam algumas noções atribuíveis aos textos da cultura do impresso, como a sua fixidez, linearidade, sequencialidade, autoridade ou finitude, provocando transformações nas clássicas definições de autor, leitor e as suas relações mútuas, bem como dando lugar a novas formas de ler e de escrever".

É este o ponto de partida para a reflexão que nos pode levar a questionar se, por exemplo, o livro é associado à literatura por esta ter sido "a nossa mestra de leitura" (a literatura ensinou-nos a ler ficção) e se será por termos apreendido a ler através de romances que acabamos por dar a primazia à leitura do livro sob o signo do contínuo. Ou que nos leva a olhar para o futuro, por exemplo, através das opiniões de Robert S. Boynton, para quem "inovações como iTunes da Apple poderão ser consideradas como o primeiro passo para uma sociedade em que muita da atividade cultural que hoje temos como garantida - consultar uma enciclopédia numa biblioteca, vender um manual de geometria a um amigo ou copiar uma canção para um familiar - será encaminhada para um sistema de micropagamentos como contrapartida dos direitos de peças cada vez menores da nossa cultura" (pág. 152). Ou nos leva a acreditar nas previsões da consultora jurídica da American Library Association, para a qual, "'mais cedo ou mais tarde, vamos ter que calcular o preço de uma frase' e que, quando aí chegarmos, 'já não se vai poder voltar atrás'" (pág. 153).