sexta-feira, 19 de junho de 2009

Quo vadis codex?, por Miguel Conde (parte 3/5)


O caminho que leva o livro

A mudança do livro e da sua percepção irá acontecer, física e comercialmente. A forma que se dá aos textos tem de ver com a necessidade e as tecnologias disponíveis para criar suportes e meios de comunicação. Os canais irão ser diferentes, a forma dos leitores chegarem ao livro (ou melhor, de este chegar aos leitores), modifica-se ainda em pleno domínio do livro enquanto codex.

O processo de transmissão de informação poderá ser alterado, mas isso sentir-se-á mais no campo do livro técnico e das bases de dados. Para esse tipo de conteúdos, o digital constitui melhor suporte e canal do que os livros tradicionais, mas, enquanto elemento de fruição, o livro demorará (largas dezenas de anos?) a ser substituído em massa (e talvez nunca o venha a ser integralmente). Podemos ver filmes na televisão, mas o seu palco natural é o cinema (a não ser o dos telefilmes, tendencialmente menos ambiciosos), e isso não se alterou nos últimos 60 anos, apesar dos obituários que se escreveram ao longo dos tempos ao grande ecrã.

Há uma tranquila familiaridade com a ideia de livro e com o que este representa. O livro é uma categoria mental, ele é o contentor e o símbolo daquilo que deve ser partilhado entre pessoas respeitadas. Quem não partilhe esse código, essa fé, é visto com alguma desconfiança. Pode-se ter êxito, mas essa é uma nódoa que não se apaga, o dinheiro compra tudo mas não a admiração de se ser uma pessoa dos livros. Ainda hoje, quando alguma figura pública morre, não há maior lauda do que a alusão a ter sido uma pessoa dos livros, uma pessoa que vivia rodeada de livros. Tal é uma qualidade apetecível, um elogio fácil e quer-se cheio de significado. Ninguém terá no seu obituário a referência a ter o disco rígido cheio de pdfs ou um kindle de última geração a transbordar de downloads literários.

Esta rivalidade tecnologia vs livro parece não fazer sentido quando estão tão intimamente ligados. Hoje em dia, a digitalização já domina a edição em todos os seus campos, excepto na edição propriamente dita; e deve ser vista como uma aliada e complemento do livro em papel. A potencialização do livro em suporte digital poupará espaço em armazéns e em livrarias; e, quanto aos livros editados em papel, a print-on-demand dará maior flexibilidade a todos os elos da cadeia da edição.

Muitos crêem que a escrita digital tornar-se-á o modo de escrita por excelência. A forma de pensar e de criar as palavras será diferente. O texto assim elaborado é menos definitivo, a mente que o cria estará mais liberta de fixações materiais, podendo, assim, expressar-se com mais liberdade; jogar como uma equipa que nada tem a perder ou a ganhar, jogar aberto, mas correndo o risco de se concentrar menos, ser menos efectivo e de não alcançar o resultado desejado. Com tudo isto, cria-se mais, escreve-se mais, lê-se mais. É um mito urbano a conversa repetida dos velhos de Restelo, que diz que as pessoas lêem cada vez menos. Uma perspectiva histórica permite-nos constatar que as pessoas lêem cada vez mais. Infelizmente, hoje, a perspectiva histórica é um meio mais escasso do que o livro em papel será daqui a um século.

Chartier defende que a revolução que vive hoje o livro é a maior de sempre, pois não se altera apenas a reprodução, mas também as estruturas e as formas de suporte, dizendo que só agora se rompe com o manuscrito, numa altura em que vemos no hipertexto um regresso a uma certa forma de expressão oral. O ciclo iniciado com a oralidade parece ter dado origem a uma espiral que se afunila tecnologicamente.
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