segunda-feira, 15 de junho de 2009

Quo vadis codex?, por Miguel Conde (parte 2/5)


O livro hoje

E que temos hoje como livro? Houaiss diz-nos um livro pode ser uma

colecção de folhas de papel, impressas ou não, cortadas, dobradas e reunidas em cadernos cujos dorsos são unidos por meio de cola, costura etc., formando um volume que se recobre com capa resistente (*)

Esta perspectiva apresenta-nos um livro que é forma, um suporte, que até pode estar por imprimir, reunido em cadernos cobertos com uma capa. Todos o reconhecem como um livro. Tudo para além disso, o fundamento da razão, o motivo de fé e emoção, parece ignorado. No entanto, o objecto está lá; e é um objecto que está na nossa área de conforto, reconhecível e apreciado pela forma em que se apresenta.

Mas Houaiss também diz que um livro pode ser

considerado tb. do ponto de vista do seu conteúdo: obra de cunho literário, artístico, científico, técnico, documentativo etc. que constitui um volume [Segundo as normas de documentação da ABNT e organismos internacionais, o livro é a publicação com mais de 48 páginas, além da capa.] (**)

Ah, a forma não está esquecida (menos de 48 páginas e será outra coisa, não passará de uma brochura ou um opúsculo), mas vemos agora que também é visto como uma unidade de conteúdo. Porém, não nega que qualquer um o pode fazer, desde que lhe dê uma coerência interna; mas dentro do limite que é o aspecto físico do livro, o suporte. É este que faz um livro parecer um livro.

O livro assume hoje um elemento de domínio psicológico e moral sobre os nossos conhecimentos. Concentra e transmite as informações que alimentam e perpetuam a nossa cultura. Tem um valor moral que excede largamente o seu valor facial.

A forma como o livro é percepcionado fisicamente poderá não modificar a estrutura mental de quem cresceu e amadureceu com a forma arcaica, mas uma gradual alteração começará a formatar uma nova perspectiva do conhecimento, de como se acede a este e de como este é absorvido. Até hoje esta nossa civilização, que é a sua, associa-o a uma materialidade inalienável, que apalpamos, cheiramos e manuseamos de uma forma particular. Nós «pensamos» em forma de livro. A memória e as percepções são livrescas. Se isso desaparecer, ou diminuir para verdadeiros nichos, afectará certos modos de ver a cultura, e, portanto, afectará a própria sociedade, que, como sistema, alimenta o livro e por ele é alimentada.

Somos hoje arrastados arrastados por alterações que mudam a associação estabelecida entre um livro, uma obra e um autor. O mundo do binário remete-nos para uma nova autoria, para uma nova forma conceptual do que é um livro.

(*) http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=livro&stype=k
(**) http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=livro&stype=k
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