segunda-feira, 14 de junho de 2010

Opinião: O rei vai nu? Sobre a vergonha de guilhotinar livros (Parte 2), por Diogo Madre Deus

O REI VAI NU? SOBRE A VERGONHA DE GUILHOTINAR LIVROS (parte II),
por Diogo Madre Deus (*)

[Parte I]

O verdadeiro motivo para as enormes quantidades de stock, com tendência a aumentar e aumentar, é simples: os editores publicam demasiado. E fazem-no porque a tal são obrigados: porque editar significa facturar pouco e não paga todos os custos ou riscos que correm; porque este é um mercado pequeno (com pouco consumo), muito concorrencial, onde actualmente, como é sabido, todos os custos e riscos de edição cabem ao editor. Tendo menos custos, o editor aumentaria a sua margem e publicaria menos.

Para quando uma verdadeira resposta aos complexos problemas sectoriais da edição?

É curioso saber que, em mercados como o italiano, existe há muito uma política para o IVA editorial que funciona como medida estrutural de incentivo para o sector e não como medida correctora, para tentar resolver pontualmente um episódio da vida cultural do país. Em Itália, o IVA editorial — que é de 4% — é assumido exclusivamente pelo editor (o distribuidor e o livreiro ficam de fora). O editor deve, naturalmente, reembolsar o Estado italiano sobre as vendas que faz. As vendas são calculadas pela tiragem, às quais se subtraem as devoluções do mercado. O Estado, por defeito e como incentivo, considera que 70% da tiragem publicada pelo editor lhe será devolvida e que, portanto, fica isenta de imposto.

Entre muitas outras medidas de um pacote abrangente, os editores podem ainda contar com um custo subvencionado na expedição postal de livros (0,65 €) ou com uma contabilidade específica, que expressa de forma realista o valor e as existências no balanço.

Foi também o Estado italiano que comparticipou a implementação do primeiro sistema estatístico de controlo de vendas de livros em livraria, que permite aos agentes do sector, como acontece noutras áreas de consumo, saber em tempo real quanto e onde se vendeu determinado livro. Um instrumento crucial para perceber o ritmo de vendas e controlar o desperdício das altas tiragens. A política de compras das bibliotecas é eficaz. Não me acontece em Itália receber telefonemas de bibliotecas a pedirem ofertas por falta de orçamento para compra de livros. O que deve o editor fazer? Oferecer a umas e vender a outras?

Escolhi a Itália, porque conheço bem o mercado do livro nesse país, mas sei que noutros países também é assim: países onde existe, desde há muito, um pacote eficaz de medidas de protecção aos sectores culturais. Essas medidas ganharam forma após um estudo atento e sério dos problemas e das fragilidades dos vários sectores.

Não é de estranhar que a Itália, com a mesma percentagem de leitores de Portugal, seja o quinto maior mercado mundial do livro, bem à frente de países com populações maiores. Um mercado em que a facturação de um trimestre de apenas um dos três maiores grupos é equivalente ao total do nosso mercado nacional. E nós, com um mercado de exportação infinito quando comparado com o italiano... Foi preciso a entrada de capital financeiro de outras áreas no mercado do livro para a política perceber que este até é um sector importante da economia e não apenas um objecto de conversas de salão. Mas, por enquanto, e parece-me que ainda será por muito tempo, teremos apenas a velha lei do preço fixo como único instrumento de apoio sério ao sector. Merecíamos todos melhores políticos? Sim, merecíamos.

(*) Diogo Madre Deus, editor da Cavalo de Ferro, fundou em 2005, com Romana Petri, a Cavallo di Ferro editore, com sede em Roma.
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