O REI VAI NU? SOBRE A VERGONHA DE GUILHOTINAR LIVROS (parte I),
por Diogo Madre Deus (*)
Que a Sr.ª Ministra da Cultura e os membros do seu gabinete ministerial tenham anunciado recentemente com pompa, numa aparente ingenuidade de leigos, que a solução para a destruição dos livros tinha sido por eles finalmente encontrada foi algo que me surpreendeu — isso e o facto de trazerem para a praça pública termos demagógicos como o de «massacre de livros». Afinal de contas, incendiar plateias é fácil, e, quando a classe política anuncia uma tão grandiosa solução, esperamos nós sempre que seja o fruto maduro do estudo, da moderação e do rigor. Ao invés, e infelizmente, toda esta cruzada contra a destruição de livros não passa de mais um equívoco, decerto bem-intencionado, mas resultado de uma exaltação repentina e efémera, ar de balão que, depois de inchado, se esvazia aos poucos, como tudo no nosso país, perante a passividade geral e a anuência militante de alguns.
No entanto, julgo que todos os editores sabem que não é com doações que se resolve o problema crescente do stock invendável ou o da sua destruição. Que ajudam, sim, talvez pouco, mas resolver: não. Longe de mim fazer a apologia do «massacre de livros», pois até estou (pelo menos por enquanto) de mãos limpas nessa matéria. É claro que hoje em dia ninguém fica indiferente à destruição de um livro. De igual forma, admito que é difícil reconhecer como boa decisão destruir um fundo editorial precioso. Por outro lado, recordo que os editores fazem um contrato privado com os autores, a quem devem prestar contas e dar explicações, e não com a sociedade. Depois, podem ficar descansados os bibliófilos, que fundos raros e preciosos não são decerto o que mais abunda nos grandes armazéns das grandes editoras. Para quem gosta de livros, esse fundo podemos nós encontrar com renovado prazer de arqueólogo nos alfarrabistas e nas livrarias de fundo.
Mas o que fazer com milhares de novidades que retornam todos os meses das livrarias, algumas delas em edições descuidadas, falhadas ou pelo menos em excesso? Digo eu que, em alguns casos, são os próprios autores os primeiros a desejarem que desapareçam de vez, para darem lugar a novas edições.
Gostaria ainda que me dissessem quais são e onde estão essas instituições espalhadas por Portugal e pelo mundo lusófono, preparadas e ansiosas por receberem todos esses livros, do mais recente método para emagrecer a ser feliz, tudo multiplicado por centenas de cópias a um ritmo mensal, ritmo esse multiplicado por anos.
Começando por dizer que, num país em que metade da população não lê livros e a outra metade pouco compra, haverá sempre excesso de stocks, estes, pelo andar das coisas, serão sempre demasiado grandes e terão tendência para aumentar. É igualmente prejudicial alimentarmos a grande escala leitores subvencionados, sobretudo por parte de quem tem menos meios ou dever de o fazer: os editores.
Não se lê, porque não se compra. Não se compra, porque não se quer ler. Como se pode constatar pelo resultado pouco animador das feiras de saldos, instaladas agora de forma perene pelo país fora. É hipocrisia dizer que a questão se funda no custo dos livros.
[Continua]
(*) Diogo Madre Deus, editor da Cavalo de Ferro, fundou em 2005, com Romana Petri, a Cavallo di Ferro editore, com sede em Roma.
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