segunda-feira, 24 de maio de 2010

Opinião: O ponto e o contraponto - concentração vertical no mundo editorial (parte I), por Nuno Pinho

O PONTO E O CONTRAPONTO — CONCENTRAÇÃO VERTICAL
NO MUNDO EDITORIAL (parte I),
por Nuno Pinho (*)

De uma forma talvez menos espectacular, mas igualmente importante, estamos a assistir à entrada numa nova fase evolutiva do nosso mercado editorial. Nos anos 1990, deu-se o aparecimento das redes livreiras e a emergência dos hipermercados como pontos de venda. Em anos recentes, uma espécie de resposta chegou através do movimento de concentração editorial protagonizado com grande alarido pela LeYa, mas não com menos eficácia por parte da Porto Editora (quantos deram pela aquisição da Sextante?).

Com o retalho livreiro num relativo impasse, cabe aos grupos editoriais tentar novamente desequilibrar este jogo de forças. Abriu-se uma nova fase de concentração, mas agora a nível vertical. Enquanto inicialmente o sentido do crescimento deu-se dentro de uma área do negócio (uma livraria que abre/compra mais livrarias, uma editora que cria ou adquire novas chancelas), os dois grandes grupos editoriais portugueses expandem-se agora ao longo de toda a cadeia de valor da indústria, da concepção dos livros à venda e comunicação.

Passo a exemplificar. Do lado da LeYa, assistimos a uma expansão para o retalho, via parceria com a rede de 17 livrarias da Coimbra Editora (e subsequente aquisição da Buchholz). Para além de adquirir espaço privilegiado nestas livrarias, a LeYa conta ainda ajudar a CE a abrir novas livrarias em pontos-chave, particularmente na área da Grande Lisboa. Por outro lado, assistimos ao regresso relâmpago da revista Os Meus Livros, nem mais nem menos adquirida pelas livrarias da CE (note-se, no entanto, que, segundo José da Ponte, director da rede livreira da CE, não existem «quaisquer ligações entre a revista e a parceria estabelecida entre a editora e o grupo LeYa»). O resultado? Uma importante revista de divulgação dos livros na posse de uma empresa editorial, como aliás é visível pelo simples folhear da revista. Não há aqui um problema de transparência: é o próprio director da revista que afirma em editorial «uma revista com estas características é um aliado importante para uma rede de livrarias», mas trata-se de um passo que poderá desequilibrar a relação de força das editoras no acesso à divulgação das suas obras. Note-se, por exemplo, que o departamento de publicidade passa a estar a cargo da CE, como se pode verificar na ficha técnica. Finalmente, a LeYa/CE estarão a desenvolver uma loja on-line, provavelmente relançando a Mediabooks (o sítio Web é gerido pela TexEdiPrint, uma empresa do grupo LeYa).

A Porto Editora, continuando a primar pela eficácia, cresceu ainda mais. A aquisição do DirectGroup Portugal é tão massiva que terá de ser aprovada pela Autoridade da Concorrência. Depois de se ter queixado do «estrangulamento» que as redes livreiras impunham às editoras, o Eng.º Vasco Teixeira vai ficar com a maior cadeia de livrarias e com duas marcas, Wook e Bertrand (questão: sobrevivem as duas?). Sabendo-se das dificuldades da Bertrand, é de admitir ajustamentos dolorosos para esta referência histórica do nosso mundo livreiro. Mas com a Bertrand vêm editoras e o Círculo de Leitores, o que reforçará ainda mais a presença da PE fora do mercado escolar. Prevê-se um processo mais suave que durante as aquisições da LeYa, mas quem ousará agora dizer que os grandes grupos não percebem nada de livros?

As declarações abaixo reproduzidas, feitas pelo responsável da PE, não poderiam ser mais claras:

«Somos o contraponto da LeYa, na medida em que somos o único grupo editorial de raiz portuguesa com origem no sector», afirma Vasco Teixeira. «A LeYa está transitoriamente na edição e, mais cedo ou mais tarde, vai ser vendida a alguém que, provavelmente, será estrangeiro» (JL, 06-05-2009).

Mas a LeYa não foi vendida e desafia a PE como maior grupo editorial nacional, como se pôde ver pela discussão recente sobre o volume de negócios de ambos os grupos. Não se prevê que a «guerra» acabe, pelo contrário. Via Bertrand, a PE entra também no ramo da divulgação, tornando-se à partida (caso o negócio seja aprovado) dona da revista LER. Se neste número da revista, que sempre teve uma presença forte do grupo Bertrand (o que é natural), ainda não há mudanças na ficha técnica (apenas alterações gráficas bem agradáveis), estamos em crer que a PE não vai deixar de aproveitar a oportunidade para dinamizar a comunicação dos seus livros. Quanto ao on-line, a PE continua a dar cartas neste domínio, estando muito avançada no mercado escolar, com o projecto Escola Virtual e os quadros interactivos. Tem ainda a maior livraria on-line nacional, a Wook, que conta com 12 milhões de visitas por ano (segundo números avançados no recente colóquio de Gestão Editorial em Coimbra). Sabemos que é da natureza dos grandes grupos procurar sinergias e reduzir ineficácias, para usar o jargão da gestão. Com mais ou menos sensibilidade, as mudanças serão inevitáveis.

[Continua]

(*) Nuno Pinho é secretário editorial no grupo Almedina e leitor insaciável, estando a terminar um mestrado em Estudos Editoriais na Universidade de Aveiro, após uma curta passagem pela Fnac.
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