quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Diabo desafia os Booktailors

Tudo começou com este post, motivo mais do que suficiente para que Paulo Ferreira abordasse o próprio Pedro Almeida Vieira na Feira do Livro e trocassem dois dedos de conversa. Mas, ao que parece, o diabo estava à espreita e, como tal, o próprio decidiu enviar um e-mail para a Booktailors, que passamos a reproduzir:

«Caro Paulo Ferreira,

Assisti este fim-de-semana na primaveril Lisboa, embora ainda sem o apreciável odor a sardinhas - que tanto me agrada, como confesso no meu Corja Maldita -, à sua conversa com o escritor Pedro Almeida Vieira sobre o famigerado caso do plágio da capa do meu romance, e que o Booktailors tão pressurosa e acutilantemente denunciou no respectivo blogue.

Fosse eu a figura que os humanos imaginam e, por certo, tão atrevida ousadia ter-lhe-ia custado a finita vida e o inferno seria o seu eterno destino. Porém, ao contrário de Deus, não detendo eu poderes para mandar apedrejar ninguém – e para meter uma lepra que seja sempre teria de a lançar no quadro de uma aposta divina – nem sendo de alimentar rancores, venho aqui simplesmente assumir a autoria do plágio. E agradecer a denúncia, porquanto o plágio foi intencional.

Como sabe, no actual mundo literário, pouca atenção se concede a certos livros mesmo se com qualidade, mesmo se escrito pelo Diabo, sabendo-se que anda por aí tanta originalidade, acompanhada de vampiros, daqui a nada de anjos, mais ainda de zombies, duendes e eu sei lá que mais – lá e aqui, porque tudo sei –, que nem os clássicos poupam. E, face a este cenário, julguei ser um golpe de mestre plagiar um pormenor de um quadro de Caravaggio, coisa inusitada, jamais perpetrada, para que, confiando na vossa zelosa vigilância em defesa dos cânones literários e dos bons costumes, vir a receber a justa publicidade, mesmo se aparentando ser um menoscabo.

Aliás, tal foi o sucesso dessa vossa eminente delação que a minha obra Corja Maldita está na iminência de esgotar a primeira edição – e não foi pela sua qualidade literária, porque ninguém teve ainda tempo de a ler; sei eu bem isso, porque sou quem sou.

Portanto, confirmando-se que os embrulhos e a publicidade sobre aspectos supérfluos das obras literárias são a base do sucesso no actual mercado livreiro, e reconhecendo ainda na empresa Booktailors, para além da capacidade de detectar plágios em capas, doutos conhecimentos na feitura das próprias capas, venho assim encomendar-vos um serviço.

Assim, tendo gosto especial pelas pinturas de Caravaggio e também pelos pormenores, como ficou patente no Corja Maldita, venho solicitar que me aconselhem sobre a parte do quadro Amor Vincit Omnia, do dito pintor italiano, que deverei usar na segunda edição. Julgo que os leitores apreciarão, porventura, as asas do anjo, ou a sua face, ou ainda a flecha, ou talvez o violino, com ou sem a partitura… mas tenham a liberdade para surpreender. A visão dos doutos especialistas do Booktailors descobrirá, por certo, um qualquer brumoso mas impressivo detalhe nessa pintura, sem mácula de plágio, que esteja absconso do olhar do vulgo.

Ficando a aguardar a vossa resposta, aceitem calorosas saudações.
Diabo

Anexo: reprodução da pintura de Caravaggio.»