quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Opinião: (Não) há livros grátis - parte 2, por Nuno Quintas

(NÃO) HÁ LIVROS GRÁTIS,
por Nuno Quintas (*)


Um primeiro exemplo das possibilidades de edição de obras clássicas na era digital é a versão hipertextual da obra maior de William Faulkner, The Sound and the Fury. Da responsabilidade da Universidade de Saskatchewan, no Canadá, esta edição apresenta uma primeira versão linear do texto, como concebido e publicado por Faulkner. Contudo, o leitor pode ordenar cronologicamente todas as sequências da primeira secção, muito fragmentária, narrada por Benjy, ou localizar, graças um código de cores, os acontecimentos e períodos a que se refere cada passo da segunda secção, da responsabilidade de Quentin.

Outra proposta diferente é a edição crítica de Madame Bovary, da Universidade de Rouen. A versão completa da inclui uma versão facsimilada do manuscrito, devidamente transcrita e com a marcação visual das emendas do próprio autor. Ao leitor é dá a oportunidade de ler o manuscrito, a transcrição ou cotejá-los entre si. Este sítio Web oferece-nos, assim, a oportunidade de surpreender o génio de Flaubert em pleno trabalho

Se o Projecto Gutenberg aposta na divulgação de clássicos em edições generalistas, para um público muito abrangente, os dois projectos mencionados destinam-se a estudiosos e a leitores tanto curiosos quanto especializados. Este tipo de trabalho continua a ser habitualmente publicado em edições académicas de maior ou menor luxo, financiadas pelo Estado e com tiragens reduzidas, que acabam inevitavelmente depositadas — e esquecidas — em arquivos e bibliotecas.

Creio que continua por fazer a reflexão acerca do futuro da edição de clássicos. Em Portugal, pelo soslaio com que a academia olha as novas tecnologias até bem recentemente (e, ainda assim, não sem alguma suspeição), continua a apostar-se nestas edições como se o seu acesso fosse vedado aos não-iniciados, e o papel fosse um suporte sagrado. Estes projectos constituem exemplos de que o cânone não esgotou a sua energia — e que os clássicos, longe de serem coisa do passado, ainda têm pela frente um futuro brilhante.

(*) Tradutor, revisor e formador. Formou-se em Línguas e Literaturas Modernas e frequenta o mestrado em Edição de Texto, no âmbito do qual realiza um estágio na Booktailors – Consultores Editoriais. Aventurou-se durante alguns anos pelo Norte de Inglaterra e por lá deixou parte do coração. Nasceu em 1980.
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