quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Opinião: Ensaio & Edição (Parte II), por João Urbano

ENSAIO & EDIÇÃO (PARTE II),
por João Urbano (*)

[Parte I]

No que respeita ao problema específico da edição ligada ao ensaio e ao pensamento contemporâneo, parece-me que, se nos ficarmos pela pura lógica do mercado, não sairemos do estado lamentável em que nos encontramos. Tal ocorre pela simples razão de que o mercado português não dispõe de um público leitor suficientemente vasto, com nichos de mercado com dimensão suficiente para viabilizar projectos editoriais saudáveis e diversificados nestas áreas.

Poderia fazer uma breve viagem pelo que tem sido a edição de ensaio nestes últimos anos e pela forma como algumas editoras o têm tratado, mas, no fundo, têm-no tratado mal, e, quanto a fazerem um trabalho em profundidade com os pensadores portugueses, ele tem sido praticamente nulo. Não existe um esforço de procurar os potenciais grandes pensadores (refiro-me a eles e a elas), entre os 30 e os 50 anos, e com eles elaborar uma estratégia de trabalho, obrigando-os a produzir livros ágeis, acutilantes, etc.

Quando me refiro ao ensaio e ao pensamento contemporâneo, estou a compreender áreas que vão da filosofia às ciências humanas, da arquitectura às artes plásticas, assim como a jogos híbridos de cruzamentos disciplinares. Neste item, o trabalho das editoras e dos editores é completamente inane.

Por muito que custe, julgo que algumas saídas para inverter esta situação têm, obrigatoriamente, de implicar uma inteligente intervenção do Estado. Aqui, o Ministério da Cultura tem especiais responsabilidades. Por exemplo, a DGLB tem um programa de apoio ao ensaio, mas é de tal modo pouco ambicioso que nem sequer cumpre os mínimos, com a agravante de que, nos últimos dois anos, sofreu um corte de 50% no financiamento, o que o torna irrisório e completamente ineficaz. A Direcção-Geral das Artes também lançou um programa de apoio à edição ligada às artes, mas foi mal desenhado e rapidamente extinto. Não existe realmente, por parte do Ministério da Cultura, uma estratégia em relação ao livro, que me parece hoje mais necessária do que nunca. Também a FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) tem um programa de apoio à edição, mas os montantes envolvidos para cada livro são irrisórios.

Por outro lado, dada a exiguidade do nosso mercado, parece-me essencial pensar não em termos de mercado nacional, mas do espaço mais amplo da língua portuguesa, com um destaque especial para o Brasil. Apenas deste modo teremos a massa de leitores que pode dar uma outra amplitude a projectos editoriais mais ousados e arriscados, ao serviço de públicos minoritários. Ora, neste âmbito, está tudo por fazer. Em vez de se facilitar a possibilidade de os livros atravessarem o oceano e de se criarem condições óptimas para um frutífero intercâmbio, nada se passa.

Outros agentes importantes são as universidades. Mas os aparelhos editoriais das universidades são uma anedota, funcionam em circuito fechado. Um verdadeiro desastre. E as universidades tinham e têm a obrigação e as condições para criar, de uma forma inteligente, projectos editoriais fortes, mas estão muito longe de o fazer.

No campo das redes electrónicas, o cenário não é melhor. Basta visitar os sites universitários e não só para assistirmos à inanidade da coisa. Não existe o mínimo cuidado com o design dos sites, etc. Neste domínio (sites, blogues, etc.), o trabalho em redor do pensamento contemporâneo está quase todo por fazer, com uma ou outra honrosa excepção.

A responsabilidade, obviamente, não é apenas das editoras, e muito menos são as cadeias de livrarias ou outras criaturas fantasmáticas que estão a bloquear o jogo. Longe disso. Elas, muitas vezes, são apenas o reflexo de algo mais profundo, que medra em cada um de nós; ou melhor, espelham a falta de vigor e de ousadia daqueles que estão directamente envolvidos com o pensamento e a arte contemporânea.

(*) Em 2003, fundou a revista de arte e ciência Nada, da qual é coordenador. Publicou o drama poético Políbio no Jardim Metafísico (Edições Mortas, 2003). Colaborou com o colectivo Pogo Teatro, como dramaturgo e co-criador, de 1997 a 1999.
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