quarta-feira, 24 de junho de 2009

Quo vadis codex?, por Miguel Conde (parte 5/5)


E agora?

Acreditamos que tudo o que seja de consulta tenderá a passar para o ambiente digital, havendo quem prefira um a outro suporte, e quem conviva com ambos, de acordo com as suas necessidades e interesses.

Já aqui falámos que o livro não é apenas o tangível, mas também uma ideia. E é uma ideia prática, hoje tendencialmente materializada em papel e tecnologicamente eficiente. Tudo isso, mais o natural conservadorismo humano, e o agradável cheiro do papel (quase sempre), fazem do livro impresso um objecto que irá conhecer muitas Primaveras.

Porém, o futuro dominante da escrita encontra-se sob a forma digital, em suporte que não o papel. Possivelmente, não será o caso da literatura mais nobre, mas será o de todos os outros textos escritos, que são já a maioria. Não será a leitura como a entendemos hoje, pois a forma enferma a experiência.

Tudo irá ser reinventado, mas sempre tendo em atenção a sua génese. As pessoas tratarão o livro com um tu irreverente, mas o livro será sempre o termo de partida para o que quer que seja que o venha a complementar.

O «ceci tuera cela» do corcunda de Victor Hugo ecoa em todas as discussões sobre o futuro do livro, sendo raramente referido que o corcunda se enganou, e parece cada vez mais enganado. O livro, democraticamente, estimula aqueles que o querem erradicar, ultrapassar e esquecer.

A possibilidade de uma nova criatividade, liberta de constrições físicas e da unidimensionalidade do livro, cria espaço para uma nova linguagem, e todas as linguagens pressupõem uma diferente estrutura de pensamento, mesmo que apenas marginalmente diferentes da original. A informação será mais coordenada, os diferentes tipos de textualidade conviverão e essa diversidade terá bom uso pela nossa sociedade, que cresce e se fortalece com as sinergias criadas por ela própria.

Há perdas no melhor dos progressos. A questão é saber se estas perdas são compensadas pelos ganhos. A investigação, a informação e a organização do conhecimento terão muito a ganhar com uma digitalização mais alargada e efectiva; mas o fruir do que associamos a um livro arquetípico não será compensado, nesta geração, por uma digitalização mais dominante; muito menos será a substituição de um livro como objecto.

A mudança a caminho da digitalização será um complemento do «nosso» livro e irá estimular potencialidades até agora ausentes, invisíveis ou mesmo latentes. Tal como na natureza, também na cultura nada se perde, tudo se transforma. O livro será o livro mas também outras coisas. Teremos ambos e estaremos mais contentes, com a permanência da ideia de felicidade mais perto, mais frequente. Teremos o zapping e os filmes, como diz Eco.

O digital vai dominar o mundo do livro em todas as fases do ciclo do texto. As restrições serão menores para a circulação da informação, com custos nulos ou residuais, e esta democratização impulsionará uma sociedade mais livre e justa.

É no futuro que encontraremos a solução ou a problematização do presente. Se é verdade que muitas vezes negligenciamos a importância da história, esta consiste, em boa parte, em explicar que somos o que somos porque fomos o que fomos, e por isso seremos o que seremos.

O fim do livro está anunciado há muito, a resistência prometida até ao fim. E o caminho está algures no meio.

«when everything is possible, nothing is foregone» (Nunberg, 1996: )

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