Lúcia Crespo publicou no Jornal de Negócios (páginas 4 a 9) um extenso dossiê dedicado ao sector do livro, no qual faz referência à obra de José Afonso Furtado, publicado pela Booktailors.
Pela sua pertinência, deixamos aqui o dossiê, agradecendo a disponibilização do mesmo. As várias peças serão disponibilizadas em posts separados para mais fácil leitura.
«A era dos eBooks está aí para agradar uns e desalentar outros [Lúcia Crespo, Jornal de Negócios de 04.05.2009]
Um livro como “mero” conteúdo digital? E o toque, o cheiro? A economia do livro está a mudar com a crescente utilização de um dispositivo pouco maior que uma mão e que armazena milhares de obras. Para já, as editoras melhor preparadas são as de literatura científica. A ficção é mais resistente, especialmente em Portugal.
José Afonso Furtado, director da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, agarra num pequeno computador de mão. É um “Rocket eBook”,um dos primeiros leitores de livros digitais, lançado em 1998. Já não funciona, morreu. Um pico de corrente destruiu-lhe o fio de alimentação. A sua produção foi descontinuada. “As obras que lá tinha, porlá ficaram”, diz o dono daquele pequeno ecrã negro. Problemas tecnológicos. A revolução, a dos dispositivos dedicados de leitura, ainda vai no adro. Está na infância.
Por cá, são poucos os que compram Kindles 2, os novos leitores da Amazon.com. “Um Kindle custa perto de 300 euros. Quantas pessoas no País gastam este valor em livros num ano inteiro? É pouco provável encontrar mercados de massa para os ‘eBooks’ em Portugal. Não basta criar excelentes produtos e digitalizar ‘best-sellers’. As tecnologias têm que ser adaptadas e adoptadas”.
Esta é a convicção de José Afonso Furtado, também professor da pós-graduação em “Edição, Livros e Novos Suportes Digitais”, da Universidade Católica. Ainda que os leitores dedicados de livros digitais sejam de tenra idade, avizinha-se e já se assiste a um grande giro no modelo de negócio editorial. Portugal e as suas editoras têm de se preparar, alerta este homem que, mais do que usar a palavra livro, prefere adoptar a expressão “conteúdos digitais”.
De uma economia de produto para uma economia de serviço
“Livros que se transformam em meros conteúdos? E o cheiro, o toque, o folhear?”, pergunta Rosa Lobato Faria. “Um livro é tudo o que o envolve”, defende a escritora. “Uma obra minha digital? ‘Not in my lifetime!”, atira Miguel Sousa Tavares. Outros autores abraçam o virtual. “Ler ficção num ‘eBook reader’ é agradável. Os ‘portugas’ é que acham que o que fazem por mero hábito está certo por direito divino”, diz Rui Zink. “As editoras não estão preparadas. Nem sequer para o audiolivro, que existe há mais de 30 anos! E os autores estão-se nas tintas, querem é ser lidos e, se possível, enriquecer em nome da Paz & da Cultura”.
Há quem discorde, como Paulo Querido, jornalista “freelancer” e consultor em tecnologias de informação. “Publicam-se ‘eBooks’ em Portugal desde os anos 90. Eu próprio tenho títulos com edição em “eBook”. Cada ‘camada’ de gente que chega à rede acha que é pioneira a fazer o que quer que seja. Foi assim com o livro de Edson Athayde (“O Endireita”) anunciado como um formato novo. Puro ‘marketing’”.
Em termos de editoras, José Afonso Furtado engelha o nariz. “Só vejo a Centro Atlântico e grandes grupos como Leya e Porto Editora”. Os grandes grupos não responderam às questões do Negócios, a Centro Atlântico sim.“Vendemos uma centena de ‘eBooks’ desde 1999, mas somos uma editora vocacionada para livros técnicos, cujo público alvo está mais desperto”, salienta o director, Libório Manuel Silva.
José Afonso Furtado diz que os editores mais atentos perceberam que o seu activo principal não é um livro, mas uma base de dados com activos digitais. “A partir daí criam se diversos produtos, como um livro. A cadeia de valor move-se de um negócio com bens físicos para um negócio de serviços virtuais. Trata-se de vender o uso de um produto e não o próprio produto”.
Os grupos mais avançados no terreno digital são as grandes editoras mundiais de literatura científica, como a Reed Elseviere Wolters Kluwer.“ Investiram loucuras na digitalização de activos e integraram-nos em base de dados onde podem ser recuperados de várias formas”.
A partir daqui existem vários modelos de negócio possíveis.“ Precisava de ler um artigo da‘Harvard Business Review’. O preço de um texto era quase igual ao da assinatura da revista...”, aponta. “Outras vezes, pago para aceder a um artigo num dado período de tempo”, conta.
É o mecanismo “pay-per-use” que permite o acesso a fragmentos de informação. “De uma economia de compra e venda passamos a um modelo de licença. Há uma alteração dos modelos de fixação de preços. Até agora, a maioria da informação tem sido paga com base mais no uso potencial do que no efectivo”.
Mas, cuidado, as pessoas pagam se tiverem um valor acrescentado. José Afonso Furtado considera que a área da ficção é naturalmente mais resistente a estes modelos de “pay-per-view”. “Romances e ensaios exigem leitura sequencial no tempo, tornando-se mais difícil subdividir o produto em componentes”.
IDEIAS-CHAVE
1 ECONOMIA DE SERVIÇ0
A cadeia de valor move-se de um negócio com bens físicos e tangíveis para um negócio de serviços electrónicos e virtuais. Trata-se de vender o uso de um produto em vez do próprio produto.
2 CONTEÚDO GRANULAR
É a compra de fragmentos de informação, apenas aquela que o consumidor necessita. Introduz-se o mecanismo “pay-peruse”. De uma economia de compra e venda passa-se ao modelo de licença.
3 A GERAÇÃO “IM”
A geração “iM” (do inglês “I am” e “Instant Messaging”) exige acesso rápido e de qualquer ponto 24 horas por dia. “Assistimos a uma aceleração do quotidiano e menor capacidade de concentração. As pessoas procuram informação intempestiva e apenas aquela de que necessitam”, salienta José Afonso Furtado.»
segunda-feira, 11 de maio de 2009
Dossiê Mercado do Livro no Jornal de Negócio de 04.05.2009
Postado por Booktailors - Consultores Editoriais às 11:00
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