«Uma das obras que Darwin levou para bordo do Beagle foi Voyage towards the South Pole do capitão JamesWeddell (no brigue Jane e no escaler Beaufoy). Weddell navegou mais para sul do que todos os que se tinham aventurado até então e, a 8 de Fevereiro de 1822, na latitude 74º 15’ avistou baleias,«aves parecidas com o petrel» e muitas léguas no mar alto. Anotou na sua carta marítima «Mar de Jorge IV – Navegável» e transmitiu a ideia de que as águas se tornavam mais quentes à medida que se aproximavam do pólo.
Voltando para norte, em direcção ao arquipélago do cabo Horn, na ilha de Hermit, teve uma refrega com canoas cheias de índios fueguinos que ameaçavam tomar o navio. Conseguiu persuadi-los a ficarem sossegados enquanto lhes lia um capítulo da Bíblia – que escutaram com uma expressão solene no rosto, tendo um deles chegado a acreditar que era o próprio livro que falava.
Weddell anotou então algumas palavras da lingual deles e concluiu que era hebraico, embora admitisse que a questão de saber como tinha chegado ao cabo Horn «fosse matéria de filólogos».
Aconteceu então que, enquanto Darwin escrevia o seu Diário durante a viagem do Beagle, havia um exemplar do livro de Weddell sobre a secretária do editor do Souther Literary Messenger de Richmond, na Virginia, de seu nome Edgar Allan Poe.
O próprio Poe era um viajante solitário, obcecado por viagens de aniquilação e renascimento; e utilizou a obra de Weddell Voyage towards the South Pole como fonte de inspiração para o seu relato de uma viagem louca e autodestrutiva. No romance As Aventuras de Arthur Gordon Pym, o narrador chega a uma amena ilha do Antárctico chamada Tsalal, onde tudo é negro, incluindo os seres selvagens e brutais que invadem como um enxame o navio Jane. Falam uma lingua que é também um variante do hebraico – por outras palavras, os habitants de Tsalal são fueguinos ficcionados, com umas pinceladas do preconceito do próprio Poe contra os negros.
As Aventuras de Gordon Pym é uma das obras mais maldosas, mais brilhantes e, pelo seu efeito sobre a imaginação, mais influentes do século XIX. Inspirou Dostoiévski a escrever uns dos seus raros ensaios literários; e, ao ser traduzido para francês por Baudelaire, serviu de fonte a toda a série de poemas de «viagem» - desde o incomparável «Le Voyage» do próprio Baudelaire («Mais les vrais voyageurs sont ceux-là qui partent seulement pour partir…») ao poema em prosa de Rimbaud «Being Beateous».
Mas os Fueguinos, que contribuíram para desencadear tudo isso, eram um povo bastante gentil, que vivia segundo o ritmo das estações, contentando-se com o que tinha. Em finais do século XIX, o reverendo Thomas Bridges fixou-se como missionário do Canal Beagle e, antes da extinção dos seus índios, devido a uma epidemia, conseguiu compilar um dicionário a partir da lingual deles. Esse dicionário é agora um monumento à existência. Darwin teria ficado surpreendido ao tomar conhecimento de que um jovem da tribo Yaghan tinha um vocabulário de cerca de trinta mil palavras, talvez ainda mais do que as que Shakespeare escreveu.»
Bruce Chatwin (1940-1989) é um dos mais aclamados escritores de literatura de viagens de sempre. Foi jornalista da Sunday Times Magazine durante vários anos, e a sua carta de demissão ficou célebre – no telegrama ao seu superior lia-se apenas «Fui para a Patagónia». O seu livro mais célebre é, justamente, Na Patagónia, um clássico da literatura contemporânea, que, segundo The Gardian, «conferiu novos contornos à literatura de viagens».
Voltando para norte, em direcção ao arquipélago do cabo Horn, na ilha de Hermit, teve uma refrega com canoas cheias de índios fueguinos que ameaçavam tomar o navio. Conseguiu persuadi-los a ficarem sossegados enquanto lhes lia um capítulo da Bíblia – que escutaram com uma expressão solene no rosto, tendo um deles chegado a acreditar que era o próprio livro que falava.
Weddell anotou então algumas palavras da lingual deles e concluiu que era hebraico, embora admitisse que a questão de saber como tinha chegado ao cabo Horn «fosse matéria de filólogos».
Aconteceu então que, enquanto Darwin escrevia o seu Diário durante a viagem do Beagle, havia um exemplar do livro de Weddell sobre a secretária do editor do Souther Literary Messenger de Richmond, na Virginia, de seu nome Edgar Allan Poe.
O próprio Poe era um viajante solitário, obcecado por viagens de aniquilação e renascimento; e utilizou a obra de Weddell Voyage towards the South Pole como fonte de inspiração para o seu relato de uma viagem louca e autodestrutiva. No romance As Aventuras de Arthur Gordon Pym, o narrador chega a uma amena ilha do Antárctico chamada Tsalal, onde tudo é negro, incluindo os seres selvagens e brutais que invadem como um enxame o navio Jane. Falam uma lingua que é também um variante do hebraico – por outras palavras, os habitants de Tsalal são fueguinos ficcionados, com umas pinceladas do preconceito do próprio Poe contra os negros.
As Aventuras de Gordon Pym é uma das obras mais maldosas, mais brilhantes e, pelo seu efeito sobre a imaginação, mais influentes do século XIX. Inspirou Dostoiévski a escrever uns dos seus raros ensaios literários; e, ao ser traduzido para francês por Baudelaire, serviu de fonte a toda a série de poemas de «viagem» - desde o incomparável «Le Voyage» do próprio Baudelaire («Mais les vrais voyageurs sont ceux-là qui partent seulement pour partir…») ao poema em prosa de Rimbaud «Being Beateous».
Mas os Fueguinos, que contribuíram para desencadear tudo isso, eram um povo bastante gentil, que vivia segundo o ritmo das estações, contentando-se com o que tinha. Em finais do século XIX, o reverendo Thomas Bridges fixou-se como missionário do Canal Beagle e, antes da extinção dos seus índios, devido a uma epidemia, conseguiu compilar um dicionário a partir da lingual deles. Esse dicionário é agora um monumento à existência. Darwin teria ficado surpreendido ao tomar conhecimento de que um jovem da tribo Yaghan tinha um vocabulário de cerca de trinta mil palavras, talvez ainda mais do que as que Shakespeare escreveu.»
Bruce Chatwin (1940-1989) é um dos mais aclamados escritores de literatura de viagens de sempre. Foi jornalista da Sunday Times Magazine durante vários anos, e a sua carta de demissão ficou célebre – no telegrama ao seu superior lia-se apenas «Fui para a Patagónia». O seu livro mais célebre é, justamente, Na Patagónia, um clássico da literatura contemporânea, que, segundo The Gardian, «conferiu novos contornos à literatura de viagens».
Paul Theroux nasceu em Medford, no Massachusetts, em 1941. Passou cinco anos em África antes de partir para Singapura, onde foi professor universitário. Entre os livros que publicou contam-se Riding the Iron Rooster, Chicago Loop, Picture Palace (prémio literário Whitebread em 1978), e The Mosquito Coast (que ganhou ex aequo o James Tait Black Memorial Prize); e ainda O Velho Expresso da Patagónia, The Great Railway Bazaar, The Elephanta Suit e Ghost Train to the Eastern Star, que serão publicados pela Quetzal em 2009 e 2010. Paul Theroux é casado, tem dois filhos e vive entre Cape Cod e Londres. Mais sobre o autor: http://www.paultheroux.com/
Tradução de Maria do Carmo Figueira. 76 páginas. PVP 9,95.