QUEM NOS DEFENDE?,
por Luís Filipe Cristóvão
Quem nos defende de nós próprios quando o funcionamento entre parceiros da cadeia comercial do livro continua a ser autista, os objectivos desmesurados para o tamanho e hábitos de leitura do nosso país, a rede de distribuição cada vez mais curta e selectiva na definição de um leitor modelo que, na realidade, não existe?
Quem nos defende de nós próprios quando inventamos sessões e tertúlias sobre temas que interessam a muito poucos, com conversas que não se entendem por tantos outros, quando queremos, ao mesmo tempo, promover o nosso trabalho e nos limitamos a dizer que todas as nossas palavras são as escritas e já nada sobra para anunciar?
Quem nos defende de nós próprios quando todos os nossos planos são modificados a partir do final do primeiro trimestre, porque não cumprimos metas, não atingimos os números necessários, e onde antes era necessidade de cativar os livreiros, agora é só necessidade de lhes cobrar o que nem sequer foi vendido?
Quem nos defende de nós próprios quando o nosso negócio é gerido pelo preço do papel na bolsa de valores, no lugar de nos preocuparmos com os conteúdos que lançamos para o mercado, tantas vezes mal revistos, mal preparados, mas embrulhados, até, em técnicas de marketing que servirão para muitos outros produtos mas não para os livros?
Quem nos defende de nós próprios quando damos palmadinhas nas costas de todos aqueles que arriscam tudo em pequenos negócios de cidades improváveis mas acabamos por comprar, ao mesmo preço, todos os nossos livros nas grandes lojas climatizadas de cadeias multinacionais?
Quem nos defende de nós próprios quando inventamos associações que não passam de um papel e de uma primeira reunião, quando todo o nosso interesse é defender os 5% de desconto adicional conseguido numa campanha, quando todas as nossas ideias são, apenas, executáveis dentro das nossas próprias portas?
Quem nos defende, finalmente, de nós próprios, quando nem nós sabemos o caminho que isto leva? Quem nos defende do nosso optimismo, da nossa desilusão? Quem nos defende da nossa ingenuidade utópica e do nosso cinismo exagerado? Quem nos defende, amigos, de nós próprios?
(*) Luís Filipe Cristóvão é escritor e gestor criativo na Livrododia Editores e Livreiros.
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