segunda-feira, 2 de março de 2009

Opinião: Contra a insularidade traduzir, traduzir, por Clara Capitão

CONTRA A INSULARIDADE TRADUZIR, TRADUZIR,
por Clara Capitão (*)

Num ano que se afigura difícil para todos os intervenientes do mundo editorial, pareceu-me pertinente inaugurar a minha participação neste blogue com a menção a um projecto editorial independente que sobrevive dignamente à margem da crise e suas condicionantes.

Falo da editora Open Letter Books, sediada em Rochester, no norte do Estado de Nova Iorque. Trata-se de uma editora sem fins lucrativos, fundada no Verão de 2007 pelo Departamento de Literatura Estrangeira da Universidade de Rochester, com a inestimável colaboração dos editores Chad W. Post e E. J. Van Lanen. Apesar de ligada à Universidade, e ao contrário do que acontece com a maioria das editoras universitárias, a Open Letter opera no mercado tal como qualquer outra editora comercial, distribuindo os seus livros nos pontos de venda habituais.

O que distingue a Open Letter de outras editoras norte-americanas é o seu programa, que consiste exclusivamente de literatura estrangeira traduzida, caso raro e digno de menção num país em que apenas 3% dos livros publicados são livros traduzidos. Se falarmos exclusivamente de poesia e ficção literária, nesse caso, a percentagem desce para os 0,7%. Este número adquire particular relevância se levarmos em conta que, no mundo, 50% de todos os livros traduzidos e publicados são traduzidos do inglês.

Horace Engdahl, secretário permanente da Academia Sueca, cometeu um erro de generalização quando classificou a literatura americana de «insular e ignorante», em comparação com a literatura europeia. Afinal de contas, a sociedade americana encapsula em si uma maior diversidade de pequenas ilhas de cultura do que a maioria das sociedades europeias, e a literatura produzida pelos seus escritores reflecte, naturalmente, essa multiculturalidade. Engdahl teria sido mais certeiro se tivesse dirigido a sua acusação não à literatura mas à indústria editorial americana, essa sim geralmente virada para o seu umbigo e indiferente ao que de bom se produz no exterior. «Traduzem pouco e, por isso, não participam no grande diálogo da literatura», justificou Engdahl.

Por isso são tão interessantes e inspiradores os exemplos de editoras como a Open Letter, Archipelago e New Directions, apostadas em contrariar a insularidade da indústria e, por inerência, o isolacionismo cultural dos leitores do seu país. Atentemos nós europeus a estes exemplos, resistamos à hegemonia cultural americana e esforcemo-nos por evitar chegar um dia na Europa a uma situação em que estaremos de costas voltadas a toda a literatura não anglófona, a toda a obra que não prometa ser bestseller.

Deixo como sugestão uma visita ao site da editora Open Letter Books e, especialmente, ao interessantíssimo blogue criado por Post e Van Lanen sobre literatura estrangeira e a indústria editorial em geral.

(*) Clara Capitão é formada em Linguística e Literatura Inglesa e Alemã pela Universidade do Porto, e candidata ao grau de Mestre em Literatura Inglesa e Americana pela Universidade de Harvard. Fez parte do Departamento Editorial da Presença durante 3 anos, e é agora Editora Executiva na divisão literária do Grupo Santillana em Portugal.
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