segunda-feira, 2 de março de 2009

A Edição de Livros e a Gestão Estratégica - apresentação da obra (I)

Ao longo dos próximos dias, disponibilizaremos excertos da obra A Edição de Livros e a Gestão Estratégica, da autoria de José Afonso Furtado, uma edição Booktailors.


Historicamente, a edição de livros sempre manteve relações difíceis com disciplinas como a Economia ou a Gestão, vulgarmente utilizadas em qualquer outro sector industrial. A abordagem económica foi, até há pouco, considerada pelos agentes da área do livro como uma intrusão no exercício de uma actividade eminentemente cultural. Mas se, para as empresas editoras, pensarem-se enquanto indústria, com o seu específico funcionamento económico, parecia um despropósito, também os economistas sempre mostraram alguma dificuldade — ou algum «pudor», para usar o termo de Marco Gambaro — em ocupar-se dos problemas do mercado do livro. A esse fenómeno não será alheio o facto referido, entre outros, por François Rouet, de, até então, «a questão nem sequer se colocar, parecendo impensável ou bizarra», num universo por excelência cultural e no qual o livro não era considerado «um produto como os outros». A situação tornou-se insustentável no final dos anos 80, momento em que o «olhar económico» sobre o livro se tornou, por fim, legítimo, e hoje, passadas mais de duas décadas de concentrações editoriais, de debates sobre a política do livro, de grandes operações de concentração e de globalização, «somos obrigados a reconhecer que os aspectos económicos impulsionaram, em grande medida, as transformações ocorridas» (Rouet, 1992: 6). O que, a bem ver, não era assim tão estranho, pois, como referiu Bianca Maria Paladino, «uma editora apresenta todas as dinâmicas de qualquer empresa (económicas, organizacionais, financeiras, fiscais) e, além disso, as dinâmicas cultural e social (1)» . E, se assim é, também não há qualquer razão para que se não utilizem as ferramentas da gestão para encontrar as fontes da vantagem competitiva e enfrentar a mudança organizacional e estratégica.

É nesse sentido que, em meados da década de 1990, surgem as primeiras tentativas coerentes de analisar o sector da edição com base nos conceitos da gestão estratégica, em particular nos países anglo-saxónicos (a série de relatórios Publishing in the 21st Century Research Series, publicados pela VISTA Computer Services) e em Itália, ligadas aos curricula universitários no âmbito da ciência económica (Paola Dubini).

Convirá ter em atenção que esses primeiros trabalhos foram levados a cabo num momento de grandes transformações: os últimos anos do século xx assistiram a uma série de mudanças sociais, económicas, políticas, culturais e tecnológicas tão profundas que provocaram alterações estruturais nos sistemas económicos, na configuração das empresas, nas relações que mantêm entre si e com o ambiente, na nossa vida privada e profissional e no modo como interagimos e trabalha­mos em conjunto. Começa assim a surgir, num alargado conjunto de autores, a ideia de que se está a assistir à emergência de uma sociedade que apresenta características marcadamente diferenciadas em relação à sociedade industrial, podendo configurar uma verdadeira mudança de paradigma. Também por isso se põe em causa (Parolini, 1999; Normann e Ramirez, 1993; Prahalad e Hamel, 1994; Hagel e Brown, 2005; D’Aveni, 1994; Evans e Wurster, 2000) que esta mutação ambiental, em certos casos tão radical, possa ser interpretada adequadamente utilizando os modelos do passado. Por outro lado, a aplicação das ferramentas da aná­lise estratégica ao sector da edição de livros revelou, para alguns autores (Bide, 1997; Thompson, 2005), que a indústria editorial era, em certa medida, diferente das outras indústrias: «Pela multiplicidade de novos produtos, pela invulgar natureza da concorrência em certos sectores, pela natureza intangível do valor associado ao seu conteúdo.» Mais ainda, trata-se de uma indústria a tal ponto diversificada que as regras são diferentes de segmento para segmento. E Bide acrescenta: quase se diria melhor «indústrias da edição». Por isso, os mesmos desenvolvimentos tecnológicos provocam efeitos diferentes em diferentes sectores do mercado. A questão que agora se põe é o que devem fazer os editores para conseguirem gerir com sucesso o seu business durante uma transi­ção que se adivinha difícil e prolongada (Bide, 1997). Por fim, conferiu-se, nesse primeiro momento, uma importância decisiva às teorias de Michael Porter, e em particular ao conceito de «cadeia de valor», num contexto em que ele é já alvo de forte contestação, considerado dificil-mente adequado para dar resposta aos desafios da nova envolvente, e no qual surgem novos modelos, que se pretendem mais flexíveis e dinâmicos (Prahalad e Hamel, 1990; Normann e Ramirez, 1993, 1994; Verna Allee, 2000, 2003; Stabell e Fjeldstad, 1998). Esta situação irá reflectir-se em algumas dificuldades evidentes na análise do sector da edição, particularmente com a emergência do novo paradigma digital.

Este nosso trabalho tem origem neste contexto e nas questões complexas que lhe estão ligadas. Muito embora o nosso fio condutor seja a aplicação das ferramentas da gestão estratégica à edição de livros e a análise dos problemas que um sector específico e em rápida mudança coloca a essa abordagem, cedo se verificou que era indispensável apre­sentar os conceitos e as correntes principais que estão na origem dessa disciplina, bem como as fases do seu desenvolvimento.

[Continua amanhã]

(1) Bianca Maria Paladino, Carta al Vento: Come cambia l’industria editoriale. Nápoles: Libreria Dante & Descartes, 1997, p. 17.

Retirado das páginas 13-15, da introdução da obra.

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