«Na primeira mesa de debate do 10º Correntes d'Escritas reuniram-se Eduardo Lourenço, Lêdo Ivo, Corsino Fortes, Juan José Millás e Ana Luísa Amaral. O tema, "Os desafios da escrita", fazia adivinhar a multiplicidade de interpretações de cada autor. Afinal, "são raízes e experiências diversas", frisou João Gobern, moderador do debate, "não existem sentidos proibidos nem velocidades recomendadas."
Eduardo Lourenço tomou a palavra perante uma plateia repleta como já é habitual em cada edição do Correntes. Para ele, o maior desafio apresenta-se àqueles que se propõem a acrescentar "mais alguma coisa a essa torrente de coisas já escritas." E para exemplificar, contou como ficava com dores de cabeça nas visitas à Biblioteca, apercebendo-se da impossibilidade de tudo ler e sentindo-se "um doido" por, ao sentir a tentação de escrever "mais duas linhas", querer "acrescentar uma centelha ao universo da coisa escrita." Mas, esta tentação "que cada geração tem de se lançar na escrita "é, ao mesmo tempo, inevitável, fatal e desesperante." Por isso, "no passado como no presente, sem cessar, cada geração vai tentar aceder a esse poço sem fim - a procura de um sentido para aquilo que ele vive seja traduzido. Chama-se escrita." Mas Eduardo Lourenço questionou "para quê tantos desafios quando os maiores podem resumir aquilo que eles procuram? Pode ser Shakespeare, por exemplo."
Corsino Fortes, poeta cabo-verdiano, utilizando um quadro de contemporaneidade que tem em conta, simultaneamente, a evolução de um jovem poeta e a do seu país, considera que "a poesia, para além de expressão estética, lúdica e de prazer, se assume também como uma arma de resistência." Por isso, nesse contexto, os novos desafios passam "pela procura de uma renovação possível, inovação a cada obra." E deu conta de três desafios com que se foi deparando em diferentes etapas da sua vida: "toda a poesia é desenvolvimento de uma exclamação"; "antes do poema, as palavras são vivenciadas até à abertura de um espaço pictórico"; e por último, "a poesia é uma expressão dinâmica de um caos existencial." E para terminar, num momento que acabou também por exemplificar o desafio da sonoridade de um texto, leu um poema seu em crioulo e depois em português.

Afinal, "a literatura não é um desafio, é uma felicidade." Utilizando uma analogia entre a "desescrita" e a política agrícola da União Europeia, Juan José Millás acredita que, da mesma maneira que se atribuiram cotas para a produção de leite, chegando mesmo a pagar para que os agricultores destruíssem a sua produção ou não produzissem, também na Literatura tal se passa de forma subtil. "Não é de um modo descarado e o desafio maior será resistir a esta amarga etapa de desescrita", chegando mesmo a gracejar sobre o célebre autor que desescreveu um grande romance, ou então o poeta que só pode fazer três poemas por ano.
"Que relação estabelece o escritor com a Palavra?" A pergunta é de Ana Luísa Amaral, e a resposta não tardou. "No meu caso é uma relação de sedução e isto é um movimento duplo - se há um momento em que eu controlo, existem outros em que ele me controla por completo." E o desafio reside aí, quando a palavra toma caminhos próprios e depois não quer voltar "ao seu redil, ao papel, à caneta, aos neurónios." E depois existe a relação entre quem escreve e entre quem lê. "Ninguém escreve para a gaveta, pode escrever para uma só pessoa e essa só pessoa já é um público. Esta necessidade de comunicação faz-nos humanos, mas não nos faz divinos."
As mesas de debate continuam amanhã, no Auditório Municipal.»
Comunicado de imprensa feito pela organização do Correntes D'Escritas.
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