quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Eduardo de Freitas comenta o Plano Nacional de Leitura

Eduardo de Freitas escreveu um artigo a comentar o Plano Nacional de Leitura, com o propósito de ser publicado no jornal Público. Fazendo o agradecimento público ao autor, publicamos, com a sua autorização, o texto referido:

«Conhecem-se agora os primeiros resultados da avaliação externa do Plano Nacional de Leitura (PNL). De acordo com a imprensa escrita (vd. Público, 23/Out. pp., pp. 2-4) foi realizado um inquérito on-line a 828 agrupamentos de escolas de modo a avaliar as consequências junto dos alunos da aplicação desde há dois anos lectivos, do consignado no Plano em matéria de promoção de hábitos de leitura (A. Firmino da Costa et al., CIES/ISCTE, Out. 2008). Os dados vindos a público revelam-se em geral muito positivos. A grande maioria das escolas inquiridas - percentagens sempre acima dos 50% (com duas excepções) e frequentemente nas casas dos 70 ou 80% e mais - afirmam que se registou melhoria quanto à “intensificação das práticas de leitura dos alunos”, ao “desenvolvimento/melhoria de competências e resultados”, ao “aumento do interesse/gosto pela leitura”, ao “aumento de frequência de utilização de bibliotecas escolares”.

Os dados mostram assim que as escolas (e os seus professores) fazem da aplicação do PNL uma ideia tendencialmente muito favorável.

As escolas são os veículos das acções e tarefas que dão corpo ao PNL o qual é em termos gerais uma medida política louvável, posto que prossegue o objectivo último de fomentar o gosto, a necessidade e a utilidade da leitura numa população escolar que grosso modo replica os hábitos de uma população (a do país) que se sabe ser relativamente relapsa a tais hábitos.

A avaliação realizada, consubstanciada nas respostas dadas, deriva de quem está incumbido e tem a responsabilidade de aplicar o objecto da avaliação: actores e avaliadores confundem-se/sobrepõem-se no plano da produção da resposta.

Ora, sendo, por outro lado, a prática da leitura uma actividade socialmente reconhecida e valorizada, aquela sobreposição leva a colocar a questão de haver por parte de quem responde uma tendência espontânea e “natural”, e independentemente da vontade de se ser objectivo, para uma declaração que sobre-estima a favorabilidade dos resultados obtidos com a aplicação do Plano.

Há, de resto, um conjunto de dados, de entre os publicados, que talvez indicie o que se acaba de referir. No quadro respeitante às “principais dificuldades/obstáculos à concretização das actividades nas escolas”, cerca de 50% delas, para qualquer dos quatro níveis de ensino, indicam haver “escassez de recursos”. Como compatibilizar este resultado com os da “intensificação das práticas de leitura” na “sala de aula” e na “escola, no âmbito de outras actividades”, em que, para o mesmo ano, se contam entre 70% a 90% de escolas a declararem que essa intensificação foi “muito significativa” e “bastante significativa”? Claro que se podem admitir interacções deveras eficazes através das quais se conseguem avanços significativos mesmo com escassez de recursos. Seja como for, vale pena deixar a interrogação.

Dito isto, a avaliação feita parece ser tão-só uma parte de uma avaliação completa. Para cumprir esta, surge como passo necessário a inquirição daqueles que foram alvo das acções promotoras do gosto e da utilidade da leitura, ie, os alunos eles-mesmos. O que dizem, o que pensam, quais as opiniões e atitudes sobre a intervenção operada, é uma recolha de informação que comporta importância similar à já realizada. A dificuldade prática desta inquirição, desde logo pela grande onerosidade da mesma se se pensar na muito vasta população a atingir, não impede a opção por uma recolha de dados feita para casos-tipo de escolas a seleccionar em função de critérios adequados. Seria do cruzamento e da análise dos dois conjuntos de dados, o dos oriundos das escolas e o dos alunos, que uma avaliação mais cingida à realidade dos factos poderia surgir. Aqui fica a sugestão.»


Eduardo de Freitas, sociólogo
(Out. 2008)