O encenador do grupo de teatro “Fatias de Cá”, Carlos Carvalheiro, quer levar a cena a obra "A Fórmula de Deus", de José Rodrigues dos Santos. Mas como têm existido alguns problemas com as autorizações por parte dos autores para a adaptação, (nesta e noutras peças) optou por, para já, encenar Ricardo III, de Shakespeare. Recorde-se que já anteriormente este grupo tentou adaptar Equador de Miguel Sousa Tavares e o autor boicotou esta representação.
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«Como é que as coisas se passam?
A lei de direitos de autor favorece a tal ponto os autores que permite que, mesmo num caso em que eles autorizem a adaptação de um livro seu para teatro, podem, até ao dia da representação dizer que não gostam e impedir a apresentação da peça. Isto é extremamente injusto.
Não lhes reconhece esse direito?
A lei reconhece. Eu não concordo. Está em causa a autoria. Quem adapta não está a criar? E o actor quando interpreta não está também a criar? Não é um autor? A lei que é relativamente recente, veio desequilibrar a balança para o lado do escritor e coarcta, de uma forma objectiva, o trabalho criativo dos restantes envolvidos.
O escritor não é dono da sua obra a partir da altura em que autoriza a sua adaptação?
Passar uma história que foi escrita para o palco, representá-la, é um trabalho de autor. De autores. É um trabalho que é autónomo do texto que lhe deu origem. Permitir que o autor do texto interfira na criatividade de terceiros não é aceitável.
Como encenador sente que a sua liberdade é limitada no caso de adaptações?
Mas isto não tem a ver apenas com autores portugueses. Passa-se a todos os níveis. Por vezes de uma forma ainda mais absurda. Há autores, ou representantes de autores, que não permitem cortes nos textos. No caso de Brecht há a exigência de representação das peças de teatro na sua totalidade. Os representantes do escritor Antoine de Saint- Exupéry, exigiam que o Principezinho fosse representado por um rapaz louro. É uma tirania, à qual, muitas vezes, a lei dá cobertura.
É contra os direitos de autor?
Já não sei. Como cidadão sou obrigado a respeitar a lei mas considero que a lei é injusta. Quando alguém publica um livro, torna-o público. O livro é de todos. A partir daí não pode impedir que ele seja fonte de inspiração para outros criadores. O livro pode inspirar outro livro. Pode inspirar um poema. Pode inspirar uma música. Pode inspirar um encenador de teatro. Um actor pode criar um personagem desse livro à sua maneira. Como é que o autor do livro pode ser autorizado a proibir, só porque não gosta?
Se o que defende fosse levado à prática acabariam os direitos de autor. Os autores que, muitas vezes já não ganham muito, passariam a viver de esmolas.
Se eu publico um texto igual, ou muito parecido e digo que é meu, aí estou a roubar. A plagiar. Estou a ser pirata. Se digo que vou contar aquela história de uma outra maneira aí não há nenhum roubo. Quantos quadros não há, de pintores importantes, inspirados na mesma situação? O José Rodrigues dos Santos, na Fórmula de Deus, usa teorias e descobertas científicas de outros para desenvolver a sua trama. Aquilo é dele ou desses cientistas? Ele criou a partir do que antes fora criado por outros. Nós não podemos fazer o mesmo? Criar a partir do que ele criou?
Isso é simplificar em demasia. Pegar num romance e adaptá-lo a teatro não é o mesmo que o José Rodrigues dos Santos fez. Ele criou uma história. O Fatias de Cá, se for autorizado a adaptá-la não vai criar outra história. Limita-se a interpretá-la à sua maneira. Voltemos ao livro do José Rodrigues dos Santos, A Fórmula de Deus, que o Fatias de Cá quer adaptar a teatro. O autor foi contactado?
Foi. Claro que foi.
E qual foi a resposta?
Não disse que não.
Mas também não disse que sim.
Não. Mas explicou-nos porque o fez.
(...)
Enquanto não chega uma resposta definitiva o que vai fazer?
Vou meter o Ricardo III à frente de A Fórmula de Deus. Não vamos estar meses à espera. Se viermos a ter autorização fazemos. Se não, desistimos.»