Rui Manuel Amaral é publicitário e lançou recentemente a obra Caravana (micro-ficções) pela Angelus Novus. A entrevista foi conduzida por e-mail.
Caravana foi lançado para o mercado com uma forte campanha de comunicação (spots para circular na net, diversos lançamentos - inclusive ao domicílio, cartazes, etc). Estes suportes tiveram em comum comunicar directamente com os leitores. Qual lhe parece ser a importância de comunicar directamente com o público-alvo?
Se o autor quiser ser lido, não há outro caminho senão tentar comunicar directamente com o público. Sempre tendo em mente que não há público mas públicos – os spots, os flyers, não seguem sempre a mesma linguagem, por causa disso mesmo – e não descurando a hipótese de chegar a um só leitor, qualquer que ele seja e onde quer que esteja. Até porque nunca se sabe se aquele leitor que entrou sem querer numa sessão de lançamento, ou foi ao site da editora ver um spot por desfastio e depois comprou o livro, não é justamente o nosso leitor ideal.
Fez muitos lançamentos ao domicílio? Essa foi uma acção que se revelou profícua ou foi apenas um motivo para dar-que-falar?
Fiz vários lançamentos ao domicílio. Foram experiências extraordinárias. Ao contrário do que sucede habitualmente nos lançamentos convencionais, o ambiente nestas apresentações foi muito mais informal e divertido. No fundo, não fizemos mais do que recuperar o antigo hábito de contar histórias entre amigos pela noite dentro. Não sei se os lançamentos ao domicílio se traduziram em mais livros vendidos - a editora garante-me que sim - porque fizemos questão de não vender livros nos locais, mas acredito que estas acções tenham contribuído de maneira decisiva para aproximar “Caravana” de alguns potenciais leitores.
Apesar do grande alarido que os suportes de comunicação tiveram na blogosfera, percebe-se que os filmes foram feitos com pouco orçamento. Acha que foi apenas um tiro de sorte ou é, de facto, possível, comunicar um livro usando poucos meios?
Os filmes de promoção de “Caravana” foram realizados com o recurso a apenas dois meios: uma banalíssima máquina fotográfica digital e um programa básico de edição de imagem, o iMovie. Não creio que a visibilidade que conquistámos na blogosfera tenha sido acidental. Quando lançámos a campanha, em Março de 2008, já várias editoras tinham realizado booktrailers. Nesse sentido, a nossa campanha não representou uma novidade. A diferença está no facto de os nossos filmes explorarem ideias, enredos e conceitos, e não se limitarem a ser uma espécie de powerpoints animados. De facto, a maioria dos booktrailers portugueses não passam de uma sucessão de pequenos excertos dos livros, aos quais se acrescentam algumas imagens estáticas (fotografias do autor, da capa do livro, etc.). Os filmes de promoção de “Caravana”, pelo contrário, procuraram acrescentar perspectivas e leituras novas ao livro, funcionando eles próprios como histórias paralelas. Importa lembrar que o fetichismo da técnica e dos “meios” é muitas vezes apenas uma forma de ocultar uma evidente falta de imaginação. A Angelus Novus joga numa espécie de contra-fetichismo, cultivando deliberadamente o carácter rudimentar dos meios para deixar a ver a enorme margem de manobra que estas novas ferramentas permitem a quem se relacionar criativamente com elas, e eu reconheço-me nessa perspectiva. Abreviando, parece-me evidente que é possível comunicar um livro recorrendo a poucos meios.
Caravana é um conjunto de micro-contos. Qual a ligação com este género e a sua actividade de publicitário, na qual é fundamental um elevado poder de sintese? O publicitário Rui Manuel Amaral influenciou a escrita do autor Rui Manuel Amaral?
Não há uma relação, digamos, de causa-efeito entre as duas coisas. Eu já escrevia antes de ser publicitário e continuarei a escrever quando deixar de o ser. Mas as técnicas básicas da escrita publicitária – a síntese, a disciplina, a necessidade de cultivar a diferença de perspectiva, o desvio, a efabulação, etc. - podem ser extremamente úteis para um criador literário. Nesse sentido, concordo que a minha actividade de publicitário possa contaminar um pouco a minha escrita literária.
A Angelus Novus não pertence a um grande grupo como os que se têm vindo a formar. Quais as maiores dificuldades com que se depara um autor quando publicado por uma editora da dimensão da Angelus Novus?
O único problema coloca-se no plano da distribuição. Parece-me que este é o grande problema das pequenas e médias editoras portuguesas. E não há comunicação, por mais eficaz que seja, que salve um livro distribuído de forma incompleta. Mas nesse campo, a situação está a melhorar significativamente e creio que em breve a máquina de distribuição da editora estará a funcionar em pleno, o que naturalmente terá implicações positivas para “Caravana”.
A Angelus Novus denota uma grande preocupação com o objecto-livro. Considera que esta é também uma forma de comunicar o produto?
Sem dúvida. No meu caso, não posso deixar de referir a qualidade da capa de Sandra Rolão e das ilustrações de Francisco Costa, que creio que “agarraram” de forma rara o espírito do livro. A que acresce o cuidado em todo o book design da colecção em que se integra “Caravana”, a Microcosmos, a primeira colecção portuguesa exclusivamente dedicada à microficção. O entendimento que os actuais editores da Angelus têm do livro parece-me muito pertinente. No fundo, trata-se de enfatizar, sem alardes e com uma certa sobriedade, o carácter de objecto dos livros: objecto de arte cuidado e até coleccionável. Se calhar, esta é uma das vias para resistir ao e-book e ao lixo colorido e graficamente descuidado que abunda nas livrarias. Felizmente, a Angelus Novus não é hoje a única editora a entender assim o livro: a Livros de Areia, a Fenda, a Tinta da China, para me ficar pelas pequenas, têm uma perspectiva semelhante. E é bom constatar que os editores vão tomando consciência da importância de uma boa concepção material dos livros. Para terminar, fiquei muito satisfeito por me estrear com um volume em capa dura e tão bonito. E, pelas reacções que tive já de vários leitores, o público é sensível a tudo isto.