sábado, 7 de junho de 2008

Sobre as devoluções

Tem havido uma muito saudável e interessante conversa na caixa de comentários de um dos nossos posts.

Com base no texto de Jaime Bulhosa, subordinada ao tema, outros inputs foram surgindo, entre eles um de mais fôlego e interesse, que aqui reproduzimos com autorização dos comentador:


«QUESTÃO CENTRAL

O problema é tão simples que parece ser sempre ignorado nestas discussões: num país em que a oferta ultrapassa em muito (muito mesmo) a procura, quem quer que se dedique à indústria do livro (que não o escolar) arrisca. Arriscam editoras, gráficas, e livrarias e todos os outros agentes ligados à área.

Quem ganha mais com a venda de um livro? Aí também não há discussão: são as livrarias.


DEVOLUÇÕES

E porque é que se fala de devoluções quando todos no ramo sabemos que o cumprimento dos 30, 60 ou 90 dias (para devoluções, pagamentos, compras e seja o que mais for) só milagrosamente se dá?


LIVRARIAS

A questão é simples: há pouco público comprador de livros e este, cada vez mais, vai, comodamente, às grandes superfícies (o caso da Byblos dar-me-á razão, se é que não está já a dar-ma) - sobretudo porque as pequenas livrarias, independetes ou outras, não oferecem as alternativas possíveis (um muito maior conhecimento do produto e selecção de oferta, acompanhamento mais próximo do cliente e rapidez de reacção aos pedidos específicos).


LEI DO PREÇO FIXO

A lei do preço fixo, na minha opinião, só faria sentido que deixasse de existir caso houvesse livreiros especializados e conhecedores. Afinal de que adianta os livreiros poderem decidir descontos e quantidades de encomendas caso a caso se, de facto não têm, na maior parte, conhecimentos e capacidade para efectuarem um tal trabalho.

Basicamente só com livreiros mais competentes e que sejam também eles leitores conhecedores e experientes (entramos na maior parte das livrarias e somos atendidos por miudos que até podem ter boa vontade - o que nem sempre acontece - mas que obviamente não têm conhecimentos para um atendimento, quanto mais a definição de uma política de livraria), poderá dar-se uma alteração das livrarias alternativas às grandes cadeias.

[para quem não tenha lido e procure o confronto, não falo de todas as livrarias mas de uma maior parte].


ESTUDO DE CASO

Uma editora - a minha é claro exemplo, até devido ao segmento em causa - tem hoje nas Fnacs e Bertrands cerca de 50 a 70% das suas colocações. As restantes dividem-se em 10 a 15% de "outras livrarias" e o restante em circulação por grandes superfícies e outros canais.

Logo há vários pontos que convém notar:

- Não são necessárias tantas livrarias. Não há espaço para elas. Nem negócio, nem clientes.

- As pequenas livrarias/cadeias livreiras têm de inovar. Seja por serviços de pesquisa e encomenda, seja pelo atendimento, seja pela originalidade da oferta, especialização em áreas específicas, oferta alternativa (exemplo claro a Galileu em Cascais) ou outros.

- Uma gestão mais profissional (grande mal da indústria livreira no nosso país desde há longos anos).

- Criação de uma base de dados nacional de stocks que permita saber que livros há, onde e com que preço. Que facilite encomendas e informação aos clientes da livraria, que facilite o controle de verbas e verificação de pagamentos e contabilidade inerente.

- Deve ser resolvido o tremendo problema de o segmento consumidor de livros ser também aquele de onde deverão sair os vendedores de livros. Preferencialmente com cursos de especialização.

- As políticas de devoluções têm de ser verdadeiramente respeitadas. Como ninguém cumpre realmente os prazos o mercado torna-se caótico em termos de contabilidade (aquilo que permite, realmente, organizar a política da livraria - e, já agora, que as distribuidoras paguem a horas e as editoras recebam a horas).

Ainda mais umas notas:

ESTUDO DE CASO II

Há cerca de ano e meio estive no Chile, país com um índice de leitura muito semelhante ao nosso.Por lá, poucos anos atrás chegaram as grandes cadeiras de livrarias dos grupos espanhóis Andres Bello, Planeta e mais uma ou duas), que tomaram todos os grandes espaços comerciais nos centros comerciais, grandes superfícies e pontos centrais. Os pequenos livreiros entraram em crise mas, da sua associação surgiu a única solução que lhes pareceu viável: Todas as livrarias da associação assumiram uma identidade (permitam-me que não me lembre do nome exacto mas seria algo como Associación Nacional de Librerias), formataram as suas livrarias com uma imagem de cadeia, instalaram um sistema central de armazéns, distribuição, encomendas e parcerias, um sistema informático de existências que está ligado às distribuidoras e editoras.

Contudo cada livraria é gerida culturalmente à sua maneira. Há livrarias temáticas, alfarrabistas e mistos destas todas.

Nessas livrarias, ao contrário das dos grandes grupos onde havia apenas uma menina numa caixa, notavam-se vários empregados, todos acima dos 40, que respondiam com uma proficiência notável a qualquer dúvida. Fiquei a conhecer vários escritores chilenos interessantes e tive mesmo várias sugestões para publicação em Portugal.

Muitos desses empregados, vim a saber, eram responsáveis pela selecção total dos livros expostos nas secções da livraria pela qual eram responsáveis.

Assim, na altura em que visitei o Chile, essa associação e as suas livrarias detinham um quase monopólio das grandes livrarias e tinham imposto regras aos grandes grupos de distribuição e edição - em vez de serem esmagados pelos gigantes como em muitos outros países da América do Sul.


PORTUGAL

O que se passa em Portugal é que a tradição de conflitos e luta pelos pequenos interesses individuais (uma doença crónica ligada ao umbigo) leva a uma dificuldade enorme na percepção do quadro geral do mercado e das medidas de unificação e diversificação que são necessárias.

E atenção que não falo apenas das livrarias. Falo também pelo meu segmento em função das actuais alterações de mercado. É urgente que se unam os pequenos editores, criem a sua rede de distribuição (o que não se pouparia tratando directamente com os livreiros e tendo um armazém centralizado para todos os editores!) e idealmente a sua própria rede livreira.

Se isso não acontecer, não adianta chorar porque vamos todos ser esmagados. E é coisa para acontecer em 2 a 3 anos.

Hugo Xavier

Coordenador Editorial - Cavalo de Ferro»