sábado, 24 de maio de 2008

O mercado editorial (Pacheco Pereira)

O Público publicou hoje um artigo de Pacheco Pereira dedicado ao negócio editorial / Feira do Livro. Fazemos notar que os excertos abaixo estão longe de esgotar a leitura do texto:

«Presos à igualdade dos pavilhões, o que os editores que se opunham à "roupa nova" da Leya não querem é a inevitável e saudável mudança em curso do mercado livreiro, concentração e uniformização por um lado, mas também possibilidade de diferenciação e de qualidade por outro. Em vez de olharem para as enormes oportunidades do segundo efeito, eles querem é impedir o primeiro, todos os dias perdendo-se em queixas ao Estado, que é para onde se vira sempre a "cultura", para impedir a concorrência em nome da sua superioridade e intocabilidade.

O problema é que tudo isto é uma ilusão, porque eles de facto já mandam em "nós". O que não pode sobreviver é um mundo editorial pouco profissionalizado, pequeno mas sempre a sonhar ser grande na base dos subsídios e compras estatais, usando a intangibilidade da cultura e do livro, para manter uma edição muitas vezes má, invadindo o mercado e as livrarias do mesmo tipo de produtos que a Leya vai fazer, só que em muitos casos em pior.
(...)
Na pior das hipóteses, a Leya vai concentrar e dar força ao livro mau, "comercial", mas não me é líquido que seja assim. No entanto, para efeitos de argumento, pode servir. É de mau augúrio o insuportável rodriguinho grandiloquente em que a Leya nos explica que existe "com a ambição de despertar as múltiplas geografias da alma lusófona (...) uma aventura escrita a muitas mãos, culturas e geografias (...) a tarefa de levar o português aos cinco continentes(...) em vez de nos dizer pura e simplesmente que veio para ganhar dinheiro com os livros, o que é normal, aceitável e desejável. Com esta retórica, poupem-nos.

Mas, com Leya ou sem ela, até mais com Leya do que sem ela, nem por isso deixa de existir um enorme potencial para a diversidade, para a pluralidade, para a qualidade e para a inovação, que exige muitas mudanças no mundo das pequenas editoras, essencialmente uma aposta na qualidade que, salvo raras excepções, não tem existido. As livrarias, que por sua vez também estão ou deviam estar a mudar, estão sobrecarregadas de traduções malfeitas de livros estrangeiros para consumo rápido e de livros portugueses, romances por exemplo, tão maus, tão maus que se percebe que só vendem porque o seu autor/autora aparece na Caras, na Nova Gente, ou nos programas da manhã. Tudo isto sem Leya, antes da Leya.

Para que haja a mudança necessária, e, sejamos justos, algumas editoras já contribuem, criando nichos de mercado sólidos, esta só se poderá impor quando houver um banho de realidade, e é isso que os editores não querem com esta guerra dos pavilhões normalizados na Feira do Livro. Um dos aspectos desse banho de realidade é compreender que muitos dos livros que são publicados não o deviam ser.
(...)
Se há sector em que eu acho que falta muito o mercado, é no da cultura. Oh, heresia das heresias, misturar comércio e arte! Acredito eu aqui no mercado? Em matéria de cultura, acredito absolutamente, acho que faz uma falta abissal, imensa, gigantesca, um mercado duro, impiedoso, uma "mão invisível" poderosa.»