EM NOME DOS AUTORES. E DOS EDITORES
Senhor Palomar (*)
Benjamim Disraeli (1804-1881) dizia que quando queria ler um bom livro, escrevia um. A frase, trocista e digna de um bom judeu ciente e convicto das suas próprias capacidades, que cumpre o objectivo inicial e provocatório de esboçar um sorriso em quem a ouve, esconde, contudo, ainda que lateralmente (muito lateralmente, bem certo) o preconceito adquirido de que tudo aquilo que é escrito deve ter aquilo que, comummente, designamos de qualidade. Nada de mais errado, e exigir do prazer dos autores objectivo tão altivo é estúpido, dando à morte algo que se apresenta como um fim em si, sem necessidade de legitimação. Mesmo, inclusive, que esse prazer venha da catarse. Basta ler Jorge de Sena, agora justamente recuperado pela Guimarães, para se saber daquilo que o Senhor Palomar fala.
Escrever não tem obrigatoriamente de ter qualidade (e só por isso é que o Senhor Palomar está a escrever neste espaço). O Senhor Palomar choca-se sempre que sabe que um editor, mais bruto, diga que o candidato a autor não deve escrever mais. O que ele deve dizer, isso sim, é que não lhe publica o texto. Na sua editora. Como ainda não estamos na altura em que o autor não precisa de um editor (mesmo que se escuse a todo o processo de produção, a questão da distribuição é ainda fundamental), podemos assumir que, se se publicam maus livros, é porque há poucos editores (publishers é outra história). Os bons editores, os brutos, têm a coragem de dizer que um texto não é publicável.
Os editores tendem a imputar aos autores a responsabilidade de escreverem maus livros, quando, na verdade, o problema é tão só que se publiquem estes mesmos livros. Não que se os escrevam. Sempre que um editor se queixa do que se publica, está a autoflagelar-se e a autoproclamar-se incompetente da função de toda uma classe.
Nélson de Matos perguntou, a certa altura e a partir de certo livro, se António Lobo Antunes pretendia perder os seus leitores. Que não se percebia o original. Não vale a pena discutir se o editor tinha razão quando decidiu afrontar o gigante louro, assumindo a sua função de editor. O editor não tem sempre de estar certo (a história está cheia de exemplos de editores que recusaram obras geniais), mas deve sempre cumprir a sua função. Seleccionar. Editar. Acrescentar valor. Tornar claro o que é obscuro. Ajudar o autor a perceber o que quer dizer e a quem se destinam as suas palavras.
E nenhum dos protagonistas se deve autopunir por errar. O autor não deve ser condescendente com o editor, ao afirmar que ele não percebeu o que estava escrito, mas toadas como «isto não é português» (ou inglês, ou francês) devem ser eliminadas do léxico dos editores.
Se se publicasse apenas merda (palavras de um editor), isso dever-se-ia a editores que não lêem os livros que publicam, nem são alvo do escrutínio de um elemento da equipa editorial (é óbvio que um só editor não pode ler todos os livros, se publicar 300 títulos por ano). Toda a gente sabe que nenhum editor publica um livro apenas por ter sido escrito por uma figura pública; toda a gente sabe que nenhum editor é ludibriado por um agente e coloca a traduzir sem ler uma palavra; toda a gente sabe que nenhum editor faz encomendas de livros com temáticas escaldantes só por que vai vender, mesmo que esteja escrito em gibberish (os que têm temáticas escaldantes mas são bem escritos, venham eles: basta ler O Mago, de Fernando Morais, publicado pela Planeta, para se perceber isto). Nenhum destes cenários acontece, pois os editores empenham-se tanto na selecção e no critério editorial quanto os autores na escrita do livro. E só por isso é que poderíamos nomear em quantidade, pela qualidade, igual número de editores para os escritores que se publicam em Portugal. Uma pequena lista (fiquemo-nos pelos portugueses): Lobo Antunes, Saramago, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço, Lídia Jorge, Mário de Carvalho, Mário Claúdio, Francisco José Viegas, valter hugo mãe, José Riço Direitinho, João Lobo Antunes, Nuno Crato, José Luis Peixoto, João Tordo, Rodrigo Guedes de Carvalho, Gonçalo M. Tavares, Vasco Graça Moura (a poesia), Pedro Mexia, Rogério Casanova, Jorge Reis-Sá, Possidónio Cachapa, Dulce Maria Cardoso, Ricardo de Araújo Pereira, Miguel Esteves Cardoso, Rui Tavares.
(*) Benfiquista, Senhor Palomar é uma ficção de uma ficção e mantém o blogue homónimo. Tem 31 anos e cursou Ciências da Comunicação. Gosta de livros. E de tostas mistas.
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