quarta-feira, 21 de maio de 2008

O mercado do livro, por Sara Figueiredo Costa

A Sara Figueiredo, em resposta a um comentário deste post, elaborou um texto dividido em vários posts, com início aqui. Alguns excertos:

«Quanto à Feira propriamente dita, e à participação da Leya neste processo, digo o seguinte: pessoalmente, parece-me muito bem que os editores proponham alterações ao modelo da Feira, se disso sentem necessidade, assim como me parece muito bem que não o façam, se para aí não estiverem virados. Mas parece-me bem que o façam nos locais onde se associam e, já agora, de um modo o mais transparente possível. O que cheirou a esturro (e a prepotência, e a desprezo pelo debate e pelas próprias associações) foi a ausência da Leya nos espaços de debate, em pé de igualdade com os restantes editores (seus pares, ou não?). E o que esturricou de vez toda a credibilidade do processo foi o facto de, depois dessa ausência, a Leya surgir constantemente como uma terceira associação, apesar de ser um grupo editorial, e de a Leya insistir em não entregar a sua inscrição na Feira, à semelhança do que fizeram as restantes editoras. Ora, a partir daqui, parece legítimo que todas as outras editoras e todos os outros grupos editoriais tenham o mesmo direito de participar, como a Leya participou, nas reuniões que foram existindo. E que se perguntem para que andam a tratar de inscrições e a respeitar os regulamentos da Feira. Não sendo assim, concluo que para a Leya, as restantes editoras não são, de facto, seus pares e que, depois disto, talvez as associações não tenham grande sentido... O melhor é mesmo deixar o mercado funcionar.

(...)

Dir-me-ão que se editoras pequenas e de qualidade desaparecerem à conta disso, se as pequenas livrarias ficarem sem acesso aos livros que encomendam porque as editoras dão preferência às grandes cadeias livreiras, se autores menos lucrativos – mas com textos que ninguém devia morrer sem ler – deixarem de publicar, isso é o mercado a funcionar. Pois bem, que não funcione. Se o mercado funcionar é sinónimo de termos estarolas dos negócios a granel a destruírem catálogos que editores de referência levaram anos a construir, livrarias transformadas em supermercados, onde não se encontram livros que não sejam novidades – e mesmo assim, só se forem da semana anterior –, e um panorama onde todos os espaços, Feiras incluídas, são ocupados pela eficiência do marketing, mas pela ausência de conteúdo (conteúdo mesmo, daquele que não precisa de ser espremido, daquele que a gente lê e a seguir tem de pensar no que leu, e às vezes não volta a ser a mesma pessoa depois de ter lido), então que se dane o mercado e o seu funcionamento.
(...)
acredito que órgãos como a Câmara Municipal (a de Lisboa, mas também a do Porto, e até seria interessante pensar nas outras e no que poderiam fazer nas respectivas localidades) poderiam atenuar o efeito de mina armadilhada que estruturas gigantescas podem ter no panorama editorial. Como? Talvez passando a apoiar a instalação de editoras menos abonadas nas Feiras do Livro, em vez de subsidiar directamente a APEL, por exemplo. É uma medida de caridade, pseudo-comuna, pobrezinha... Não faço ideia, mas soa-me bem independentemente da etiqueta. E também me soaria bem que as editoras que não pretendem vender-se se associassem de algum modo, para fazerem face aos problemas de organização das Feiras – que certamente se irão agravar – e sobretudo para garantirem que não perdem margem de negócios com os pontos de venda»