ESCREVER À VISTA, DESENHAR SOBRE LETRAS (parte II),
por Carla Maia de Almeida (*)
[Parte II]
Carla Maia de Almeida (CMA): Não sentes que os livros são deixados ao abandono?
Danuta Wojciechowska (DW): Depois de serem publicados?
CMA: Já nem falo disso, aí é mesmo o abandono total. É como deixá-los na roda e entregá-los aos santinhos… Referia-me ao processo de produção. Nos escritores, há muito a ideia de que já fizeram a sua parte e acabou. Escrevem o texto e desinteressam-se da ilustração. Também não quero criticar isso. Têm esse direito.
DW: Eu achava bonito se nós caminhássemos no sentido de surgir este espaço de conversa entre escritor e ilustrador, cada um especializado na sua área, mas havendo uma boa relação de colaboração. E cultivar esse intercâmbio, que é fundamental.
CMA: E os editores? Sem bons editores não se fazem bons livros.
DW: O editor é outro elemento fundamental nesta parceria. Um bom editor de livros para crianças deve ter sensibilidade para a ilustração, deve marcar posição aí. Aliás, a História pode demonstrar isso. A «idade de ouro» dos livros para crianças, no século XIX, também se deveu em grande parte a um editor como o Edmund Evans… O nosso papel, enquanto autores, é o de valorizar ao máximo o papel do editor. Nas condições de trabalho que podemos criar para o futuro, é fundamental.
CMA: Aí entra a questão dos direitos de autor. Eu sou a favor de que ilustrador e escritor sejam pagos exactamente da mesma forma. Se há adiantamentos para um, também deve haver para o outro. Uma lógica de win-win. Mas aí os ilustradores levam vantagem, porque normalmente conseguem negociar melhor com os editores. Quanto aos escritores, enquanto se acreditar que os livros para crianças se escrevem no intervalo de almoço… não vamos lá.
DW: Também acho que devem ser pagos da mesma forma. É a minha prática. Eu dantes não era considerada como autora. Assinava um contrato, mas era um forfait. Quando comecei a fazer ilustrações de livros para crianças, há dez anos, ainda havia muitos editores que não punham o nome do ilustrador na capa.
CMA: Foi o teu caso?
DW: Não, mas manifestei-me abertamente em relação a isso.
CMA: O que se passou com os prémios da SPA ainda é um reflexo dessa mentalidade. Como é possível que o Prémio Autor de Melhor Livro Infanto-Juvenil [O Tubarão na Banheira] não tenha ido também para o Paulo Galindro, que fez o livro a meias com o David Machado? Tu também ilustraste o livro da Cristina Carvalho [O Gato de Uppsala] e não foste nomeada.
DW: Só fiz a capa. Nesse caso, o texto é que faz a força do livro, não tenho a pretensão de ser co-autora… E acho louvável lançar-se um prémio para valorizar os autores, mas é preciso ter mais cuidado na maneira como se põem as coisas ao lado umas das outras. O livro da Cristina Carvalho não é bem para crianças, ainda que seja colocado nessa secção, só porque tem uns bonequinhos. O Tubarão na Banheira é um livro ilustrado, assim como o do Eugénio Roda e Gémeo Luís [Azul Blue Bleu]. Mas não se podem comparar entre si, porque são livros de categorias distintas.
CMA: Totalmente de acordo. Olha, diz-me só mais uma coisa: tu vives dos livros que ilustras?
DW: Eu sou ilustradora, sou designer, dou aulas, vou a escolas e bibliotecas… Aquela ideia que as pessoas têm: «Ah, tu só fazes ilustração, não é?»
CMA: Não é bem assim.
DW: Mesmo nada. É muito difícil viver só da ilustração de livros, talvez num país como os Estados Unidos, para aquele ilustrador que está bem lançado no mercado, ou então no caso da Lisbeth Zwerger, que só faz um livro por ano… Mas eu gosto da diversidade. Essa possibilidade de contactar com vários aspectos da sociedade e traduzir isso numa linguagem para as crianças é interessante. Também gosto muito de ilustrar jogos. Ficar presa a uma só coisa é redutor, não gosto de becos. Tenho medo de me limitar.
CMA: Não gostavas de te dedicar só à ilustração, se pudesses?
DW: Bem, eu gostava de me reformar e viver numa quinta, com um burro e um limoeiro, mas agora estou aqui, no meio da cidade, não posso fazer nada contra isso.
CMA: Podes fazer mais livros.
DW: Podemos fazer mais livros. É possível ir mais longe se cada pessoa for especializada na sua área e se houver um bom editor pelo meio.
CMA: E, já agora, um bom director de arte.
DW: E um bom leitor. E muita gente a comprar livros. Nós também estamos a trabalhar para que isso seja uma tradição em Portugal. Não é tradição o livro para crianças ser consumido por um público generalista.
(*) Jornalista freelancer, colabora com a LER, Notícias Magazine e Notícias Sábado. Licenciada e pós-graduada em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa, tem uma pós-graduação em Livro Infantil pela Universidade Católica Portuguesa. Na Caminho, publicou O gato e a Rainha Só, Não Quero Usar Óculos e Ainda Falta Muito?. Escreve sobre livros e não só no blogue O Jardim Assombrado. Nasceu em Matosinhos, a 12 de Janeiro de 1969.
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