sexta-feira, 4 de junho de 2010

Opinião: É a economia, estúpido!, por Paulo Ferreira

É A ECONOMIA, ESTÚPIDO!,
por Paulo Ferreira (*)

N.E.: Texto originalmente publicado na revista LER de Abril de 2010.

Criar uma editora é algo de relativamente fácil. O mercado da edição não apresenta grandes entraves à partida, não exige elevado investimento inicial e a tecnologia está democratizada. Em poucas semanas, um editor pode estar a comercializar os seus livros. Deixa-se assim implícito que é fácil fazer livros, o que apenas em parte é verdade: há uma enorme diferença entre «fazer» e «fazer bem».

Da mesma forma, é relativamente fácil, de um ponto de vista empresarial, criar uma estrutura editorial (os requisitos burocráticos, legais e administrativos são comuns a muitos outros segmentos de mercado), pelo que, uma vez mais, o maior obstáculo é conseguir manter uma gestão equilibrada e profiláctica das grandes dificuldades do sector de edição de livros, onde o armazenamento e a gestão de stocks assumem uma relevância particular.

Vem este intróito a propósito do «massacre dos livros», tema assim baptizado pela actual ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, pianista com diversas obras musicais gravadas, que se terá indignado com a destruição, por parte do grupo LeYa, de alguns títulos sem potencial de mercado. Segundo a ministra, esses livros poderiam ser oferecidos.

Enquanto leitores, a destruição de livros deixa-nos sempre agastados, e a solução de oferta, numa primeira instância, parece nunca deixar de receber o aplauso de todos. Tudo estaria assim bem, se não fosse este um negócio de concorrência directa e se a responsável em causa não tivesse, ela própria, ignorado que o quadro legal português não permite a oferta sem os custos de pagamento de direitos de autor (cerca de dez por cento), do IVA (cinco por cento) e demais despesas de transporte por parte das editoras. Mais: se oferecerem os seus livros aos PALOP, por exemplo, criam concorrência desleal, na medida em que respondem a necessidades de mercados que dispõem de editores em actividade. Existe ainda a possibilidade de a oferta ser feita a instituições públicas, privadas e de apoio à comunidade, como bibliotecas ou centros sociais. Porém, tendo em conta que essas entidades são clientes das editoras, de que forma conseguirão estas, daí em diante, fazer comércio com aquelas instituições?

No mercado actual, os livros têm aquilo a que se chama «prazo de validade do iogurte», ou seja, depois de produzidos e colocados no mercado, podem ter uma exposição de curtas semanas, logo substituídos pelas novidades seguintes; os exemplares devolvidos (ou nem sequer comercializados) ficam a ganhar poeira nos armazéns dos editores, saindo apenas para vendas directas, sobretudo na Feira do Livro. Obviamente, esta situação implica custos muito elevados na gestão e no armazenamento de stocks. Desta forma, os editores vêem-se forçados a destruir livros e a limitar os custos inerentes. O que o grupo LeYa fez, e diga-se que o que fez é muito comum — serão poucos (ou nenhuns) os editores que não o fazem —, foi tão-só destruir livros sem possibilidade de comercialização. Tratou-se de uma decisão empresarial e não política, devidamente justificada numa perspectiva operacional, com pouco romantismo à mistura. Contudo, o pagamento de salários, rendas, IVA, prestações a fornecedores vários para a feitura do livro e, ainda, impostos ao Estado, tem também pouco de sexy ou glamoroso. É a cultura, mas também é a economia, estúpido.

Se se deve lamentar? Sem dúvida. Mas não podemos esperar que entidades privadas, com obrigações fiscais e financeiras a cumprir, assegurem e mantenham o acesso e a oferta cultural a todos os cidadãos — aquilo que um Estado social e de direito deve ser capaz de cumprir. Se o actual Executivo, na pessoa da ministra da Cultura, considera que se está a assistir a um «massacre», pois então que disponibilize as verbas necessárias para adquirir obras aos editores — e seja o próprio Estado o responsável pela distribuição das obras que considerar relevantes.

(*) Paulo Ferreira é consultor editorial na Booktailors, da qual é um dos fundadores. Com a Pós-Graduação em Edição: Livros e Suportes Digitais da Universidade Católica Portuguesa, co-lecciona actualmente no mestrado de Edição da Universidade de Aveiro a cadeira de Marketing do Livro.
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