N. E.: texto publicado originalmente no blogue o homem que queria ser luís filipe cristóvão.
«PELA ÚLTIMA VEZ SOBRE A SUPERFÍCIE LUNAR DA TERRA» (*),
por Luís Filipe Cristóvão (**)
António Guerreiro lê Um Toldo Vermelho e premeia-o com cinco estrelas expressas — o que seria de nós, os que se interessam por poesia, se não comprar o Expresso fosse uma opção. Cinco estrelas e uma frase final que merece ser repetida: «a poesia anterior de Joaquim Manuel Magalhães continua disponível e serve-nos de vingança. É a guerra.»
Peguemos por aqui: Guerreiro, talvez imbuído pela analogia ao seu nome, mantém acesa a declaração de guerra que Magalhães sempre preconizou para a poesia, uma guerra em que se quer pensar que existe uma poesia certa e uma errada ou, de uma forma ainda mais radical, que a poesia é isto e nunca aquilo. Mantém-se acesa essa declaração de guerra como no Resumo onde, por 4 euros, somos levados a pensar que a poesia portuguesa são 35 nomes, seleccionados de 30 publicações, as quatro mais representadas com números de apenas duas revistas. A declaração de guerra de se pensar que toda a poesia é apenas uma casa, uma visão do mundo, por mais sufocante que ela ameace ficar, tão impermeável a leituras externas parece. Mantém-se acesa essa declaração de guerra, de pensar que a poesia é um feudo, um território por conquistar, pior, a poesia portuguesa é um recinto, onde o direito à exposição, à elaboração de gerações, de princípios e de causas comuns cabe apenas aos iluminados. A guerra de quem está dentro, dentro está, sem convites, sem aparições.
Caro Guerreiro, a guerra não é essa. A guerra não é contra os poetas, contra os leitores, contra os livros. A guerra é a convivência com a palavra. A guerra é a leitura aberta, sincera e desejosa desse choque que promove a reflexão, a reprodução inventiva. A guerra é a tradição e a impossibilidade segura da sua compreensão total. A guerra é lermos e lermos e sentirmos, ainda assim, que a nossa sensação perante o acontecimento poético vai diferindo, passo a passo. A guerra não é matar o passado — é saber vivê-lo e continuar a produzir sem a ele estarmos presos.
Recuso toda a guerra que não seja uma guerra pela vitória da poesia. Recuso toda a guerra que não seja pela abertura do campo de visão, do sonho, da literatura. Recuso as vossas repetidas declarações de guerra, também. Reivindico a soberania da palavra. Reivindico a soberania do diálogo. Reivindico a soberania da beleza. Reivindico a possibilidade da paz para enfrentar o verdadeiro combate. Tudo o resto é desgaste inconsequente. Nada mais.
(*) Título retirado do poema «Praia do Amanhã», de Manuel de Freitas, no livro terra sem coroa.
(**) Luís Filipe Cristóvão (Torres Vedras, 1979) é editor e programador cultural. Autor de vários livros de poesia, mantém o blogue o homem que queria ser luís filipe cristóvão.
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