segunda-feira, 17 de maio de 2010

Opinião: O futuro dos livros e das bibliotecas (Parte I), por Carlos Fiolhais

O FUTURO DOS LIVROS E DAS BIBLIOTECAS (parte I),
por Carlos Fiolhais (*)

N. E.: texto publicado originalmente no blogue De rerum natura
, correspondente à intervenção de 15 de Abril no Colóquio sobre Gestão Editorial, organizado pela Imprensa da Universidade de Coimbra:

A Internet mudou as nossas vidas. Mudou, por exemplo, os livros e as bibliotecas. Mas ainda não é muito claro, porém, o modo como vão evoluir o livro e as bibliotecas com a revolução digital em curso. Certo é que estão a evoluir e que irão evoluir mais.

Os livros mantiveram-se em papel (publicam-se aliás cada vez mais, em Portugal é um em cada meia hora!), mas apareceram também em versões digitais, e-books — de alguns livros há só mesmo em versões digitais —, que, em vários formatos, podem ser lidas por vários dispositivos dos quais ainda não existe um standard (há o Kindle, por exemplo, que já se vê muito nos Estados Unidos, e há recentemente o iPad, que elimina o teclado e rato, mas cujo futuro se desconhece). A vantagem dos livros digitais é óbvia: a de evitar o «insustentável peso» do papel (as árvores e o clima agradecem!), a possibilidade de encontrar rapidamente uma passagem que se quer, etc. Os meus alunos, por exemplo, já estudam por PDF que guardam nos seus portáteis ou netbooks, qualquer dia será nos seus telemóveis. Os inconvenientes do digital, para além da dificuldade, permitida pela cópia rápida e barata, de reconhecer e recompensar devidamente os autores e editores, são também óbvios: um livro é um objecto material com um design tão perfeito para cumprir a função que desempenha, que, na minha opinião, nunca será inteiramente substituído. Também a roda, uma vez inventada, nunca mais veio a ser substituída. O livro cabe na mão, acompanha-nos a qualquer lado, funciona de modo low-tech (nunca avaria!). É um bom presente para se dar a alguém, isto é, passa bem de uma mão a outra. Por alguma razão não houve ainda nos livros a revolução que houve na música, com o quase desaparecimento das lojas de discos em favor das transferências digitais. Estou convencido de que, no futuro, haverá a coexistência de livros em papel e livros digitais, com algum natural crescimento destes últimos nos próximos tempos. Soluções como a Classica Digitalia, publicada pelo Centro de Estudos Clássicos de Coimbra com o apoio da Imprensa da Universidade, em que os livros aparecem simultaneamente on-line em papel são augúrios do futuro. O print on-demand, permitido por máquinas como a Expresso Book Machine e outras, será uma realidade, pois não há tecnicamente nenhuma razão para não fornecer qualquer livro, mesmo esgotado ou mesmo nunca antes publicado em papel, a alguém que o queira e que esteja disposto a pagar os custos da respectiva materialização e outros. Passar do digital ao analógico em papel será conveniente, será mesmo necessário nalguns casos. Mas uma certa confusão entre suporte magnético e suporte em papel poderá vir a existir: cientistas como a portuguesa Elvira Fortunato querem — e conseguem — fazer transístores no papel. Se a ideia vingar, os ecrãs poderão ser tão flexíveis como o papel, apesar de terem uma imagem tão renovável como os ecrãs de cristais líquidos. «O futuro do livro é bom», como disse o escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo, que acrescentou logo a seguir, «pois sempre vai existir o livro, ainda que noutra forma». O mais fantástico será se o livro existir de outra forma na mesma forma!


(*) Nasceu em Lisboa em 1956. Licenciou-se em Física na Universidade de Coimbra em 1978 e doutorou-se em Física Teórica na Universidade Goethe, em Frankfurt/Main, Alemanha, em 1982. É professor catedrático no Departamento de Física da Universidade de Coimbra desde 2000. Foi professor convidado em universidades de Portugal, Brasil e Estados Unidos.
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