N. E.: adaptado livremente de um artigo publicado no suplemento literário do jornal Il Sole 24 Ore (Itália), de 21 de Fevereiro de 2010, da autoria de Diogo Madre Deus.
ESTRATÉGIAS DA (NOVA) INTERNACIONALIZAÇÃO
DA LITERATURA (parte II),
por Diogo Madre Deus (*)
[Parte I]
A proliferação de prémios literários internacionais garante, por outro lado, que o fenómeno não se confina ao sector mais popular do mercado. Apesar das suas discutíveis decisões e estranhas escolhas, o Nobel é visto como um prémio mais prestigioso do que qualquer consagração nacional que exista. O prémio Impac na Irlanda, o Mondello em Itália, o prémio literário na Alemanha tornam-se, ano após ano, mais desejados. Até o conservador Campiello criou recentemente uma edição internacional para premiar (com um júri externo) a melhor obra italiana traduzida. Os decisores do gosto literário já não são os co-nacionais do escritor, não fazem parte da sua sociedade, nem ele pode sequer conhecer o mundo em que se movimentam.
E quais são as consequências de tudo isto na literatura? No momento em que o escritor se apercebe de que o seu público já não é nacional, mas sim internacional, a natureza da sua escrita está destinada a mudar. Especificamente, há a tendência de eliminar na escrita certos obstáculos a uma compreensão internacional massificada.
Nos anos 1960, um escritor como Hugo Claus, profundamente envolvido na cultura e na política do seu país, não parecia muito preocupado pelo esforço exigido aos leitores ou aos tradutores dos seus romances para que o percebessem fora da Bélgica. Em claro contraste, autores contemporâneos como o norueguês Per Petterson ou o italiano Alessandro Barrico oferecem-nos romances que não exigem especiais conhecimentos ou esforços, ou, em sentido contrário, não são capazes de gratificar os leitores por terem superado na sua leitura certos obstáculos.
Não se trata, obviamente, de eliminar da escrita todo e qualquer virtuosismo linguístico ou aspecto de cultura local, basta que estes não se tornem impeditivos de serem exportados. Para impedir que tal aconteça, põem-se em acção estratégias narrativas, que passam por simplificá-los e transformá-los em elementos «literários» e «fantasiosos» imediatamente reconhecíveis. Um processo em tudo análogo à entediante linguagem franca dos efeitos especiais no cinema moderno.
Importante é igualmente salientar no texto uma sensibilidade política que imediatamente situe o autor entre «aqueles que lutam pela universalidade dos direitos e pela paz mundial». E eis que todo o exagero fantasioso de um Pamuk ou a extravagância de um Rushdie estejam sempre pari passu com certas posições liberais, pois, tal como dizia Borges, a maior parte do público possui um sentido estético de tal forma exíguo que prefere apoiar-se noutros critérios para apreciar o livro que está em vias de ler.
O que nestes tempos parece destinado a desaparecer, ou a ser marginalizado, é a tradição do romance que se alicerça na subtileza da própria língua e cultura literária. No actual mercado literário global, Shakespeare deveria ter mais cuidado com os jogos de palavras, e uma nova Jane Austen nunca ganharia o Nobel. O mesmo se poderá dizer da nossa Agustina. Quantos escritores por essa Europa ainda arriscam frases como as de João de Melo? Estaremos nós, leitores, reduzidos ao suave entretenimento de uma boa história?
(*) Diogo Madre Deus, editor da Cavalo de Ferro, fundou em 2005 com Romana Petri, a Cavallo di Ferro editore, com sede em Roma.
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