segunda-feira, 22 de março de 2010

Opinião: A força das Correntes, por Paulo Ferreira

A FORÇA DAS CORRENTES,
por Paulo Ferreira (*)

As Correntes D’Escritas, na Póvoa de Varzim, marcam de forma indelével o ano editorial. Após uma década em que se sucederam eventos, encontros, amizades, casamentos que se cumpriram (confissão do próprio Manuel Alberto Valente, editor da Porto Editora), as Correntes são o principal acontecimento literário português. Têm a alegria que falta às feiras do livro de Lisboa e do Porto e o reconhecimento de todos os profissionais.

Vai-se às Correntes e vive-se o espírito das Correntes. Vai-se às Correntes e sabe-se que se está a viver a rentrée literária. Nas Correntes, tudo parece fácil. As salas ficam repletas de gente, com temas nem sempre fáceis, e na Póvoa é tão fácil falar com muitos dos nomes que habitualmente vemos publicados nas lombadas dos livros como pedir uma bebida no bar, que fica aberto até tarde, e mais além. É uma cozinha de afectos, condimentada por muitos livros e autores, bem regada até às tantas.

A força das Correntes dá-se por um conjunto de factores que, embora óbvios para quem já foi lá, nunca é de mais salientar. Nas Correntes, assiste-se à vontade política de uma autarquia que se mostra empenhada na causa (fala-se com o vereador Luís Diamantino e salta à vista a alegria de ter tanta gente na cidade); nas Correntes, existem funcionários dedicados, que se desdobram para que nada falhe; nas Correntes, o cansaço de Manuela Ribeiro e Francisco Guedes — os verdadeiros obreiros de tudo — não nos desmotiva, porque é totalmente ultrapassado pelo sorriso que vem logo de seguida. Nas Correntes, protelam-se amizades e selam-se outras, com o espírito de que só ali se vive. Por isso, para mim, as Correntes não duram uma semana; duram 52. Porque o melhor das Correntes nem sequer é o que ali se vive. É o que fica para depois. E é longa a espera pela nova edição. Sei do que falo. Em 2009, ainda de malas na mão, fui apresentar-me à Manuela Ribeiro. Era a minha estreia. Ela sorriu e disse: «Vai gostar muito.» À despedida, depois de cinco dias de muita poesia (e não falo só dos livros) e de tanta coisa séria que mais parecia do domínio da ficção, respondi-lhe que sim, que tinha gostado muito.

Este ano, volto às Correntes e apenas desejo que tudo continue lá. A Póvoa de Varzim percebeu que a melhor forma de colocar uma cidade num mapa é exportá-la. É dizer ao resto do país que não é preciso estar no centro para nos considerarem essenciais. E as Correntes são isso mesmo. São essenciais para o público profissional, que vê ali uma janela do tamanho do mar para falar dos seus livros (falar de «produtos» não faz aqui sentido); para os autores, que têm uma hipótese de se encontrar com quem os lê, os critica, os divulga; para o comércio local e infra-estruturas adjacentes, que se dinamizam e se recriam em redor de uma ideia. No fundo, essencial para todos os leitores que percebem, olhos nos olhos, por que razão nem sempre o que está impresso nos livros é o mais importante.

(*) Paulo Ferreira é consultor editorial na Booktailors, da qual é um dos fundadores. Com a Pós-Graduação em Edição: Livros e Suportes Digitais da Universidade Católica Portuguesa, co-lecciona actualmente no mestrado de Edição da Universidade de Aveiro a cadeira de Marketing do Livro.
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