quarta-feira, 10 de março de 2010

Opinião: Da Póvoa para o mundo, por Luís Caetano

DA PÓVOA PARA O MUNDO,
por Luís Caetano (*)

O que acontece em Las Vegas fica em Las Vegas. O que acontece na Póvoa de Varzim, em Fevereiro, segue para todo o mundo, levado pelos escritores e por todos aqueles que vivem as Correntes d’Escritas. Nos últimos anos, as Correntes têm seguido também pela rádio, nas dezenas de horas de cobertura feita pela Antena 2. A rádio alarga a intimidade do que é o maior encontro de escrita que acontece em Portugal, partilha as mesas de conversa, entrevista os autores, relata a rede de afectos que se cria entre escritores, público, escolas, organização, jornalistas e editores. Para além da Antena 2, tenho feito a cobertura para a Antena 1 e para o programa Câmara Clara da RTP 2. Por tudo isto, em Fevereiro, para além de ligado às Correntes, fico ligado à corrente. Este encontro é uma tentação de excessos para um jornalista que habitualmente trabalha sobre livros. É como ficar fechado numa destilaria irlandesa. Não que tenha passado pela experiência. Com pena.

Quando, em 2009, a 10.ª edição convidou 120 escritores, pensei seriamente em tomar complementos energéticos. Ainda por cima, são cada vez mais as actividades paralelas. A minha preferida é a corrida: os sprints entre gravações no hotel anfitrião, entrevistas no Auditório Municipal, as reportagens nas escolas. De repente, à uma da manhã, o restaurante do hotel passa a ser um estúdio improvisado, e um convite para subir ao quarto tem apenas a séria intenção de gravar uma entrevista longe do ruído do bar. Na hora de partir, metade da bagagem faz-se de livros dos escritores presentes.

«As Correntes são um momento que justifica todo o trabalho de escrita, toda a magia da leitura, toda a conjura das palavras.» A frase, disse-a Eduardo Prado Coelho, que era bom no que dizia. As Correntes D’Escritas resultam de muita vontade, e de prazer também. Fazem-se de rotinas cúmplices, de momentos imprevistos, e de muitas histórias. Aliás, uma boa história é o que nos une. É o que procuram escritores e jornalistas, é o que o público quer ouvir nas mesas de conversa do Auditório Municipal. São as boas histórias que animam o ambiente ao jantar e pela noite dentro, no bar do hotel, quando também nascem novas histórias, que serão ou não contadas noutros anos. Aliás, a noite nas Correntes não se fez para dormir. Há tempo para isso depois. Trabalha-se, sim, e discute-se literatura, mas também a vida à volta dela. Contorna-se o fecho do bar à uma da manhã com improvisos vários. Desafia-se o Inverno à beira da piscina, quando as palavras pedem um cigarro. Um convívio que facilmente se torna caloroso, porque reconhecem-se os que vivem com livros à volta. Todos se entendem, apesar das variantes ibéricas e, se for preciso, há sempre esse imenso espaço de diálogo que é o silêncio, como disse na Póvoa a mexicana Laura Esquivel. São muitos, tantos, os momentos inesquecíveis vividos nas Correntes, dentro dos seus programas oficiais e fora deles, fora de horas. Para quem participa no encontro, «vocês sabem do que eu estou a falar». Para quem ainda não o fez, que estas palavras sirvam de aliciante.

As Correntes são um modelo do que dá certo. Do que é aberto. Qualquer pessoa pode participar nos debates, juntar-se às noites de poesia no hotel anfitrião. Esta não é uma proposta elitista, e isso é coisa rara na cultura em Portugal. A Manuela Ribeiro, o Francisco Guedes e todos os que, na Câmara da Póvoa de Varzim, contribuem para as Correntes d’Escritas merecem um enorme reconhecimento. São já 11 anos de celebração dos livros. Onze anos de um estranho fenómeno oceânico que ilumina os Invernos.

(*) Realizador e apresentador da Antena 2, onde actualmente assina os programas Um Certo Olhar, um debate sobre a actualidade, A Força das Coisas e Última Edição, dois programas de entrevista e divulgação literária, que receberam o Prémio Fahrenheit 451, em 2006, para a melhor divulgação dos livros em rádio. É jornalista residente do programa Câmara Clara, da RTP2. Cobriu para a RDP várias edições da Feira do Livro de Frankfurt, dos Concertos Promenade de Londres e da Folle Journée de Nantes, bem como das Correntes D'Escritas e do encontro LeV - Literatura em Viagem. É licenciado em Ciências da Comunicação e formado pelo CENJOR. Foi jornalista da TVI.
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