COMO SE FORA UMA CORRENTE,
por Francisco Guedes (*)
Hoje está um dia idêntico àquele dia de Outubro de 1999, chuvoso e cinzento, quando entrei na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim. A entrevista tinha sido marcada por um amigo comum. Ia falar com o vereador da Cultura. Para quê, não sabia.
Falámos cerca de uma hora, e aquela sala tornou-se na nascente, ainda ténue, do que viriam a ser as Correntes, que à altura ainda não tinha este nome, nem outro qualquer. Esse chegaria com a Manuela uns dias depois. Os primeiros dois, três anos foram o romper dos diques dos cépticos, dos que não acreditavam no projecto «que era muito caro», que não havia gente para usufruir dele, que não havia massa critica, que não havia… Foram também os anos de vencer as angústias dos temas, de criar a revista, de apresentar aos interessados novos autores, foram os anos de afirmar a Póvoa no mundo da cultura ibero-americana, foram os anos em que um dos objectivos se solidificou: unir as três margens do mar.
Pouco a pouco, as Correntes e a Póvoa distinguiam-se. Surge o Prémio Correntes D’Escritas/Casino da Póvoa, importante e monetariamente interessante, que, ano sim ano não, premiava ficção e poesia. A seguir, surgiu o Prémio Correntes D’Escritas/Papelaria Locus (ideia do Alfredo, dono da Locus). Este veio abrir um novo caminho aos jovens, até aos 18 anos, de todos os locais onde se fala português (houve um ganhador do Brasil). E, pouco a pouco, outro objectivo se solidificou: chegáramos a uma juventude pouco interessada em literaturas.
O tempo consolidava as Correntes, torneava-as, dava-lhes uma forma única que ultrapassaria as fronteiras, como ultrapassou, fazendo de nós, mesmo dos mais cépticos, dos mais incrédulos, uns aCorrentados a esta ideia de cultura, a esta forma intensa de a descentralizar e viver durante quatro dias, a cultura pela cultura, sim, sem subterfúgios, encarando-a como essencial ao desenvolvimento do homem. Essa, penso, é a grande força das Correntes D’Escritas. E essa é a força a ser seguida.
(*) Nasceu por obra e graça de seus pais, Maria Estela e João, naquela ensolarada manhã de 29 de Julho de 1949. Entrou para as Edições Asa como revisor, em 1984, onde se manteve por dez anos. Por gozação, escreveu sete livros, cujo tema era a culinária, para o jornal Público. A saga da escrita continuou nas Publicações Dom Quixote, com mais três livros da mesma temática. Traduziu quatro livros, dando a conhecer autores até então não traduzidos em Portugal. Co-organiza desde o seu início, em 2000, as Correntes D’Escritas na Póvoa de Varzim. Em 2006, passou a organizar o LeV — Literatura em Viagem, em Matosinhos.
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