N. E.: Texto originalmente publicado aqui.
DA DISTRIBUIÇÃO NOS TEMPOS DA CONCENTRAÇÃO — CONSIDERAÇÕES,
por Hugo Xavier (*)
Hoje tive uma conversa com outras pessoas do meio sobre as realidades do sector e abordámos, ao de leve, a questão dos paradigmas da distribuição. Isto levou-me a pensar um pouco sobre a influência que a actual situação de mercado tem e virá a ter em breve na distribuição e, no prisma inverso, a influência que a actual situação da distribuição poderá ter na situação presente e futura do mercado editorial. Estas considerações partem de uma posição que tenho defendido e continuo a defender: o digital demorará mais do que se diz, e ficar parado à espera da sua chegada será um erro para distribuidores e editores.
Vamos, pois, considerar duas realidades diferentes: as distribuidoras independentes e as distribuidoras ligadas a editoras ou grupos editoriais.
No caso das segundas, a situação contemporânea comporta duas possibilidades: ou se trata de um grupo grande cujo output ocupa os recursos dos sectores comercial e logístico da distribuidora, ou essa distribuidora terá de procurar rentabilizar os seus recursos. Para este fim, recorrerá, geralmente, à distribuição de editoras externas ao grupo, mas isso acarreta um dilema de difícil resolução.
Se o grupo está orientado para uma área específica de trabalho, dificilmente a equipa comercial conseguirá impor ou ter capacidade de trabalhar livros de áreas diferentes. Contudo, se a distribuidora trabalhar com editoras com afinidades temáticas e/ou genéricas, estará a criar concorrência interna e dará por si a preferir os livros «da casa».
A única solução que antevejo para esta questão reside na criação de equipas de comerciais independentes dentro da distribuidora. Isto acarreta custos e, obviamente, volta a colocar em questão o máximo aproveitamento de recursos… Estamos perante a velha pescadinha-de-rabo-na-boca. Mas traz também uma concorrência interna saudável e não autofágica, que pode rentabilizar, e muito, cada um dos clientes distribuídos.
No que toca às distribuidoras independentes, a situação é complicada mas solúvel. Ainda assim, antes de entrarmos nesse assunto, convirá fazer uma pequena radiografia do mercado das distribuidoras independentes. Os seus clientes repartem-se entre os grandes grupos livreiros, que representam cerca de 60% a 70% do mercado; os livreiros independentes, que representam, quase por inteiro, a percentagem remanescente; e os clientes institucionais e excepcionais, que detêm uma percentagem mínima e variável.
No que toca aos grandes grupos, não haverá questões de maior: o seu paradigma de funcionamento não precisa, salvo no que toca a uma maior profissionalização, de grandes alterações.
Quanto aos livreiros independentes, na minha opinião, ou se dá, efectivamente, a criação de uma associação de livreiros independentes que lhes permita concorrer enquanto grupo de grande dimensão, ou acabarão «esmagados» pelos grandes grupos, reduzidos ao número das livrarias alternativas essenciais — aquelas que fazem, de facto, um trabalho de excepção ou são «salvas» por factores específicos (localização, decoração, enfoque especial dos títulos apresentados, etc.) —, e prevejo para um futuro breve esta calamidade. Unidas, criando uma central de compras ou pelo menos um sistema centralizado de encomendas com uma gestão financeira apoiada e realista, talvez ainda consigam ir a tempo de aparecer e impor a sua força no mercado. Claro que o problema das LI será o dinheiro para estas mudanças, mas, se se apresentarem como grupo e com um projecto financeiro consciente, o seu peso terá, decerto, influência junto das instituições de crédito.
Quanto aos clientes excepcionais e institucionais, há, na minha opinião, muito trabalho a fazer. A criação de mercados de escoamento alternativo tem de ser trabalhada de forma criativa. E aquilo que sempre me pareceu grave por parte de editoras e distribuidoras é a falta de imaginação na procura e criação destes canais alternativos, que têm um enorme potencial em conjunto. Sobre esse assunto, gostaria de voltar a falar no futuro, mas agora ocuparia demasiado espaço.
A solução para as distribuidoras independentes passa por uma reconfiguração, face à realidade de um mercado em que os clientes distribuídos dificilmente terão peso enquanto clientes individuais, quer em volume quer em espectro.
Numa evolução natural do sector, iremos, assim o creio, assistir a uma redução no número de distribuidoras independentes. Sobreviverão as que se saibam adequar à nova realidade dos seus clientes e saibam ter uma ideia formativa do catálogo de representação. Claro que isto trará, também por si, uma triagem muito mais efectiva do âmbito real da qualidade do que é editado (ou pelo menos do que é aceite para distribuição). A empresa que, até agora, distribuía tudo, passando despercebida no meio de muitas outras, vai começar a destacar-se pela falta de qualidade ou, pelo menos, pela irregularidade qualitativa e comercial da sua oferta, e terá de combater essa situação exigindo dos seus clientes padrões que lhe permitam manter-se no mercado.
Tendo em conta esta evolução necessária e a inerente redução do número de distribuidoras independentes, o serviço destas terá de ser reconfigurado à semelhança do que acontece noutros países. O tratamento desleixado e a falta de informação prestada aos seus clientes editoriais terão de ser totalmente invertidos. A distribuidora que dê dados reais e concretos, mapas geográficos, de marketing e contabilísticos de vendas terá uma enorme mais-valia. Mas não pode ficar por aqui: as distribuidoras, à semelhança do que acontece lá fora, terão de assumir serviços que os seus pequenos clientes não conseguem assegurar, como serviços de marketing, publicidade e promoção, de apoio estratégico ao editor e talvez mesmo de apoio financeiro, em casos específicos e justificados.
A criação de accounts para cada cliente é um passo incontornável para o futuro. Para um tratamento próximo do cliente e para a distribuidora ter, ela própria, uma noção clara dos resultados e do potencial de cada cliente, esses accounts deverão acompanhar toda a fase promocional e de marketing e poderão mesmo apresentar sugestões no que respeita à política estratégica da editora.
Se esta evolução não tiver lugar, creio que viremos a assistir, muito em breve, a um processo calamitoso de ruptura no mercado editorial, onde apenas as raras empresas iluminadas, capazes de alterações como estas, virão a garantir elementos de diferenciação e potencial «ofensivo» contra os grandes grupos.
(*) Nascido em 1976, formou-se em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses e Ingleses pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Trabalhou como assistente editorial na Vega e, posteriormente, preparou projectos de relançamento editorial para a Civilização e a Estúdios Cor. Em 2003, com Diogo Madre Deus, fundou a Cavalo de Ferro. Foi ainda director editorial do grupo Fundação Agostinho Fernandes para as áreas de Ensaio, Poesia e Ficção.
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