ALMOÇOS, OPINIÕES E AS REDES SOCIAIS,
por José Noronha Brandão (*)
O meu avô dizia-me frequentemente que a disciplina e o método eram regras fundamentais para se levar a vida. Tudo deveria ser planeado e executado no seu tempo, e a preguiça era uma das causas para o desmoronamento das nossas existências. Por isso, na casa dos meus avós – e pais –, havia horas para tudo, como se a rotina assegurasse a identidade. Fundamental, acredito ainda hoje.
Confesso-me mais preguiçoso e, há muito pouco tempo, ouvia o seguinte conselho: «Não te fies na memória, que falha. Planifica e executa de acordo com o teu plano. Diariamente dá baixa do que fizeste e do que está ainda por fazer, atribui importância numeral e conclui, por dia, o que está na zona crítica, o que tem tempo e o que ficou descontrolado.» Fundamental, acredito ainda.
E, depois da teoria, vem a prática. Acordo cedo, pratico os dois princípios básicos da cabala, não reajas e não julgues, nas intermináveis filas da A5 ou da Marechal Craveiro Lopes (sim, a Segunda Circular), e tento, quando posso, correr à hora de almoço e não sair muito além das 19.30. Mas este meu BI profissional deve ser um tanto ou quanto igual a mais uns milhares nesta Europa. De quando em vez, almoça-se com uns amigos, conhecidos ou futuras relações profissionais. Nunca temos tempo para todas as actividades de lazer que, durante a semana, nos chegam via e-mail, já deixei de ter tempo para comprar e ler jornais diariamente, e um dos prazeres do fim-de-semana (que ridículo) é comprar jornais e folheá-los, com um circunspecto ar de quem assumiu ser leitor e editor daquela recente propriedade.
Nesta lufa-lufa diário, mas que se repete por semanas a fio – o Verão impõe-me outras rotinas –, acabamos por perceber que a nossa existência se reduziu a uma página de Internet e às redes sociais. Existimos mais no Facebook e no Twitter (tenho as minhas reservas sobre o Twitter) do que na plácida existência material. Falamos, refilamos, opinamos, tornamo-nos amigos e bloqueamos mais do que propriamente na vida, olhos nos olhos. Quando é que nos perdemos? Quando é que passámos a fazer tão facilmente amigos no computador e quando perdemos essa enorme capacidade de interagir?
O contra-senso começa aqui, começa no exacto momento em que não nos envergonhamos de falar e escrever para uma fotografia, um endereço de e-mail, um blogue, mas, em carne e osso, não o conseguimos fazer a um perfeito estranho.
Mas este texto não era para ser uma divagação ontológica sobre mim e a minha visão social, mas antes para que se entendesse o que mudou e a forma como quem está neste mercado editorial tem que passar a olhar. Um livro é um conjunto de palavras e/ou imagens que sugerem ideias, pensamentos, posições. Um repositório de intenções a serem percepcionadas – lato sensu. Quem edita tem uma preocupação, vender, e pode acumular outra: a qualidade do que quer vender. Mas, para vender, é preciso definir a quem, e neste «quem» cabe a minha divagação ontológica: mudámos todos e mudamos conforme o meio onde estamos. Eu sou eu aqui na escrita, mas altero-me em pessoa e adquiro outras coragens e atitudes ao vivo e a cores, no meu Facebook ou no da empresa onde trabalho. Eu sou pessoano, pois sou eu e os outros e, por vezes, os outros é que são o Inferno!
Os livros são como as luvas: mesmo que não assentem na perfeição, a maior qualidade é serem confortáveis ou servirem o propósito com que os adquirimos. Se uma luva de lã tem uma função mais prática que uma de pele, se a de pele exibe um estatuto, um hábito, uma ideologia, um sonho, uma aspiração, tudo pode ser explicado, mas nada se compara à sensação de conforto que um livro nos dá numa certa altura.
Uma editora, nos dias de hoje, mais do que a qualidade, a variedade, o público perfeito, tem de se arriscar a dar a cara e a comunicar! Uma editora tem de entrar noutros domínios que não os seus, de escrita invasiva, evasiva, intrusiva, construtiva, socializante. Uma editora tem de se dar a conhecer, pôr-se na boca da Net!
Vende mais? Duvido. Os amigos de uma rede traduzem gostos de consumidores, mas não são amostra fiável. O que se diz numa rede é aceitável na realidade? Não. Mas cria notoriedade, visibilidade, projecção. Humaniza uma marca, uma empresa, confere-lhe um plano afectivo.
É como um almoço com um amigo conhecido ou com um estranho: não nos dá a conhecer mais do que aquilo que permitimos ao outro que conheça, mas confere-nos um plano humano – o tal dos arquétipos e da literatura grega. As atribuições humanas aos deuses tinham o propósito pedagógico da identificação do leitor com os modelos. O mais velho truque literário, afinal, ainda é a roda original das redes sociais.
Mas aqui fica um conselho, corajoso leitor desta croniqueta: não deixe de dizer bons dias no elevador, de sorrir abertamente a um estranho, de almoçar com os amigos ou de fazer questão de saber o nome do segurança do seu edifício. Porque, tal como nas redes, mais do que a simpatia, o que nos vende é mesmo o tal toque humano. Fundamental, acredito desde sempre.
(*) José Noronha Brandão é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Português/Alemão, pela Universidade Nova de Lisboa. Concluiu a parte curricular do curso de doutoramento em Ciências Políticas, da Universidade Católica Portuguesa. Ao longo da sua actividade profissional, passou pela Media Consulting, pelo Teatro Nacional D. Maria II e pela LPM Comunicação. É actualmente responsável de comunicação da Booksmile.
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