QUICK, QUICK, TIME!,
por Cristina Ovídio (*)
Num artigo publicado na revista Sábado (dia 6 de Agosto de 2008) intitulado «O livro que nunca teria existido», a jornalista Susana Torrão fez um teste a várias editoras, que consistiu, sumariamente, em alterar o título do livro Até ao Fim, de Vergílio Ferreira, para Vigília, e os nomes das suas personagens, criando uma autora imaginária. Enviou o original falso para as editoras como se se tratasse de uma primeira obra. Passados seis meses não obteve resposta, nem sequer uma referência ao plágio. Isto merece uma reflexão urgente por parte dos editores. Vivemos numa época de voragem de lançamento de livros para o mercado. A procura ávida dos autores mediáticos, a luta dos grupos por espaços nas livrarias, a concepção de grandes campanhas de marketing e de capas apelativas, a criação de frases sonantes e de grandes slogans, tudo obedece às palavras de ordem: produzir. Produzir cada vez mais. E vender, claro! Esta corrida retira ao editor um espaço de silêncio que implica «estar» com o livro, lê-lo com prazer e identificar de imediato o valor literário de um original sem partir de ideias preconcebidas. Apesar de reconhecermos que a adaptação aos novos tempos é essencial para um editor, que é também um estratega (afinal, o objectivo de todos é que os livros cheguem a um maior número de leitores, e isso é bom e desejável), a avaliação de uma obra implica condições de trabalho que são urgentes: tempo, leitura, reflexão. Num mundo globalizado, procuramos sempre as tendências do mercado sem conseguirmos analisar de forma tranquila a singularidade de obras que ficam perdidas no rio do esquecimento. E o caso não se circunscreve a este pequeno rincão (aliás, todos temos conhecimento de outros casos de recusa de grandes autores). Paradigmaticamente, o artigo de Susana Torrão lembra um outro caso, quando, no ano de 1984, a Nobel da Literatura de 2007, Doris Lessing, viu duas novelas suas, enviadas sob o pseudónimo Jane Sommers, serem rejeitadas pelo editor britânico.
Será que as regras do mercado condicionam os editores a não reconhecer os valores literários, sendo dominados por preconceitos e pela espuma dos dias, que lhes retiram capacidade crítica? A apaixonante profissão de editor exige a adaptação a novas regras de mercado, mas necessita também de marcar a diferença: pela sua personalidade, credibilidade, solidez, análise crítica, para além do espaço de leitura, do tempo para troca de ideias e do silêncio, meus caríssimos editores! A função nobre do editor como agente cultural e divulgador de livros não tem de estar sujeita unicamente às fórmulas de um mundo globalizado. E isto aplica-se também à forma como se editam livros sem supervisão da tradução e da revisão. Arriscamo-nos a que os únicos conhecedores da matéria literária passem a ser o autor, o tradutor ou o revisor — e a não se reconhecer talentos literários só porque não pertencem à galeria de autores já identificados como «produtos» comerciais. Valeria a pena, provavelmente, produzir menos e melhor. Afinal, podemos estar de acordo com o statement da ExperimentaDesign: QUICK, QUICK, SLOW.
E há livros que merecem uma leitura até ao fim e, claro, momentos de vigília. O mundo agradece e torna-se melhor. É a hora!
(*) Cristina Ovídio é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas. Concluiu uma pós-graduação em Multimédia. Desempenhou as funções de consultora do programa literário da RTP2, Quem Conta um Conto. Depois de uma breve incursão no jornalismo, dedicou-se ao ensino de Português. Em 2001, iniciou a sua actividade como editora na Oficina do Livro. Trabalha, desde Outubro de 2008, como editora no Grupo Planeta em Portugal.
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