segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Opinião: O meu primeiro livro, por António Manuel Venda

O MEU PRIMEIRO LIVRO,
por António Manuel Venda (*)

Quase poderia escrever «há muito, muito tempo». Nessa altura, há muito, mesmo muito tempo, escrevi um livro de contos a que dei um título muito comprido: Quando o Presidente da República Visitou Monchique por Mera Curiosidade, o título de um dos contos. Guardo recortes de jornais dessa época, e nalguns o livro até aparece nos tops das livrarias, nunca em primeiro lugar, mas em certos casos em segundo, batido, se não estou em erro, por O Pesadelo de Obélix ou pelo Pequeno Livro de Instruções para a Vida. Podia ser pior…

O tempo passou. Habituei-me a que pouca gente conseguisse dizer o título correcto do livro; geralmente, as pessoas começavam por «o dia em que o presidente foi» e a seguir atiravam com os sítios mais diversos: Beja, Santarém, Moura, Silves, Setúbal… Metiam tudo e mais alguma coisa no título, tirando, já se adivinha, a minha terra (Monchique). Isso foi nos primeiros anos. Agora já não acontece muito, porque quando me falam no livro é mais para me dizerem que não o encontram: o meu primeiro livro, «o do título comprido». Às vezes, em sessões de autógrafos, aparecem pessoas com outros livros meus a perguntarem como poderão arranjar aquele, que não vêem em lado nenhum. Digo que não posso fazer nada, já que, depois de esgotadas as edições que foram feitas, só conseguirão se surgir uma nova oportunidade, porque entretanto mudei de editora. E ofertas é coisa que não posso fazer, porque a verdade é que me resta apenas um exemplar de cada uma das edições.

Um dia, nem foi há muito tempo, recebi um comentário no meu blogue; era alguém que tinha lido um dos meus livros (o romance O que Entra nos Livros). Dizia que o tinha comprado em Lisboa, «na Bulhosa do Campo Grande», isto depois de ter ido procurar «em duas livrarias da Bertrand». E que preferia ter começado por O Medo Longe de Ti, o romance que, de certa forma, dá origem ao que comprou, só que desse, nem sinal nas livrarias. Mas o problema até nem era grave… No comentário estava escrito: «Como faz um brevíssimo resumo desse livro, sempre minimiza o desconhecimento do passado.» E depois, uma pergunta: «A propósito, não estão previstas novas edições dos seus livros?» Neste caso, não havia uma referência ao primeiro, mas não consegui deixar de pensar nele, enquanto escrevia uma resposta a dizer que, de alguns dos títulos, por certo haveria livrarias com exemplares. O pior era mesmo em relação aos dos meus primeiros anos de escrita, que estavam dados como esgotados; no caso do primeiro livro devia ser mesmo impossível.

Ia todo lançado a escrever isto quando me lembrei de que a pessoa era do Sporting, como eu (no comentário aparecia também isto: «Estive lá, no meu lugar cativo de sofredor, e tive quase orgulho naquela equipa. Estou de acordo com as suas apreciações. Contudo, julgo que é um pouco injusto para com o Polga.»). Eu tinha escrito no blogue, a propósito de um jogo das competições europeias entre o Sporting e uma equipa suíça, que o defesa brasileiro Anderson Polga parecia «mesmo talhado para o desastre». E então fiz um acrescento à resposta, pensando ainda no primeiro livro. Falei de um golo célebre de António Oliveira com a camisola do Sporting, marcado em 1982 ao Dínamo de Zagrebe, num jogo da Taça dos Campeões Europeus disputado no antigo estádio José Alvalade. Oliveira marcou os golos todos do três a zero, depois de uma derrota por um a zero em Zagrebe por causa de um remate certeiro de um tipo com nome de detergente (Cerin). O golo célebre era o terceiro, com Oliveira a avançar pela direita e depois, em vez de fazer um centro, a atirar a bola de uma forma estranha para a baliza, num remate que parece ter sido feito com a sola. No fim do jogo, os jornalistas só lhe faziam perguntas sobre aquele golo, e ele acabou por comentar: «Quem viu, viu; quem não viu, já não vê mais!» Talvez eu possa dizer algo parecido sobre o meu primeiro livro: «Quem leu, leu; quem não leu, já não lê mais!» Mesmo o golo sendo do outro mundo, e o livro pertencendo a este em que vivemos.

(*) Nasceu em Monchique, em 1968. Publicou nove livros de ficção, sendo o último dos quais o romance Uma Noite com o Fogo. Destes, alguns receberam prémios literários de instituições como o Instituto Abel Salazar, o Centro Nacional de Cultura, a Câmara Municipal de Almada, a Secretaria de Estado da Cultura e a Sociedade Portuguesa de Autores. Mantém inéditos dois livros de histórias (O Bilhete do Senhor Scolari e Políticos, esses Animais) e uma primeira aventura de um pequeno super-herói chamado Zeca Zângão (Mandriões na Roda Gigante). Trabalha actualmente em diversos projectos de ficção. Vive no Alentejo e escreve no blogue Floresta do Sul.
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