sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Opinião: Contemplar 2018 com um livro nas mãos, por Guilherme Pires

CONTEMPLAR 2018 COM UM LIVRO NAS MÃOS
Guilherme José Pires (*)

Não raras vezes, ao chegar a casa regressado da batalha, dou por mim mergulhado em pensamentos sombrios a respeito do futuro do livro impresso e da flora em vias de extinção que o rodeia. Muitos dos que amam a literatura conhecem, decerto, o apelo dos sentidos na sua relação com o livro-objecto, e não podem deixar de tremer ao imaginarem um mundo predominantemente digital. Uma distopia na qual os blocos de papel se tornam corpos obsoletos, sem texturas nem aroma, as livrarias são espaços improváveis, e as bibliotecas deixam de ocupar edifícios monumentais, escondendo-se na memória de um computador.

Claro que, ao primeiro crepúsculo do dia, sai de cena o Guilherme-que-lê-em-papel e surge, empolgado, o José-que-pensa-em-digital. A metamorfose ajuda a poupar nos adjectivos: no mundo real, passo grande parte do tempo diante do computador, a ler e a trabalhar textos em formato digital, e deparo-me com os problemas que assombram o mercado (a distribuição, a descapitalização do sector, a sobreprodução, as devoluções e as notas de crédito, o escasso tempo de vida do livro no retalho, o endividamento, a relativa ineficácia das estratégias de marketing tradicionais...). É perante tais dificuldades que se torna evidente o potencial das novas tecnologias enquanto caminho alternativo ou possível solução, redefinindo a concepção e vida do livro-produto, o comportamento do consumidor, as estratégias de comunicação e de marketing, a relação entre autor e leitor – quase tudo o que está a jusante e a montante do mundo da edição.

O meu eu profissional sente-se, pois, curioso perante a revolução que se avizinha, mas todos os dias deixa escapar variadíssimos pontos de exclamação pela ausência, na geografia portuguesa, de um debate de fundo sobre estes assuntos, cuja premência exige um diálogo vivo entre os actores do mercado, sem excepção. Uma consulta rápida aos sites da APEL, da DGLB e do Ministério da Cultura revela que as palavras «ebook», «livro electrónico» ou «print on demand» são protagonistas de apenas um artigo. Tais assuntos escaparam também à programação da Feira do Livro de Lisboa em 2009 (houve a carta de Carlos Pinto Coelho, o debate «O que é ser editor hoje», mas não consigo recordar-me de mais exemplos). Até o primeiro número da B:MAG é revelador desta tendência: entre os 36 textos que lhe dão corpo, são cinco os que se referem ao digital.

Ainda assim, é fácil encontrar exemplos opostos, como o rio de informação que o Prof. José Afonso Furtado alimenta quase ao minuto, a investigação desenvolvida nos meios académicos ou o trabalho de pesquisa e compilação dos Booktailors e de outros espaços na Internet e na imprensa. O debate público sobre o futuro digital vai crescendo nas redes sociais (Facebook, Twitter, LinkedIn), na blogosfera e nos meios de comunicação, mas parte quase exclusivamente de opinião, dados ou estudos provindos de mercados externos.

Urge conhecer as ideias e debater os projectos dos editores, distribuidores, livreiros, autores, agentes e designers portugueses, que percebem ou contestam a importância das tecnologias digitais, da internet e das plataformas móveis. Existe uma imensidão de assuntos a debater: as estratégias de preço para o ebook; as transformações nos hábitos e modos de leitura; a auto-publicação de conteúdos; a integração do multimédia nos segmentos que ainda não o utilizam; a redefinição dos conceitos de livro e de leitor; modelos alternativos de negócio e de obtenção de receitas, com base em micropagamentos ou subscrição de conteúdos; a leitura e a escrita não-linear no ambiente online; o cloudpublishing. Estes temas são apenas uma fracção do ponto visível do icebergue; desafio-vos a que façamos deles uma conversa, um texto de opinião ou uma conferência.

Observemos, como exemplo, o debate aberto que ocorre em Espanha, tanto na internet como fora dela, e sigamos os seus passos. Para que, quando 2018 se encostar à nossa porta, possamos ser bons anfitriões.

(*) Nascido em Fevereiro de 1982, Guilherme José Pires é licenciado em Comunicação Social e mestrando em Ciências da Comunicação. Começou como profissional de jornalismo, mas arrependeu-se de tais passos. Trabalha, desde Janeiro de 2008, no departamento de edição e produção de conteúdos da editora MediaXXI. Não tem leitor de ebooks, nem estantes suficientes para os seus livros.
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