quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Opinião: Parlez-vous français?, por Pedro Bernardo

PARLEZ-VOUS FRANÇAIS?,
por Pedro Bernardo (*)

Na edição de Agosto da revista Ler, na secção «Listas/Manifestos», um dos ouvidos foi o embaixador José Cutileiro, homem culto e excelente escritor. Independentemente das escolhas que citou, algo houve que me despertou a atenção; os creio que 11 títulos referidos eram todos de autores franceses. Um leitor com menos de 40 anos terá hoje dificuldade em recordar um tempo em que a língua da cultura ainda era o francês, a primeira língua estrangeira obrigatória que se aprendia no ensino público (creio que a minha geração – nascida na segunda metade da década de 60 – foi a primeira a aprender primeiro o inglês, mudança que mais não fez do que reflectir, e instituir, o predomínio da língua inglesa e da cultura norte-americana nos media e, por extensão, no ensino).

Em resultado disto, para a maioria dos que têm hoje menos de 40 anos e tenham frequentado o ensino público, o francês tornou-se uma língua exótica, a par do alemão ou de uma qualquer língua eslava (ao contrário da emergência do espanhol e do italiano, que qualquer português que se preze julga que domina, bastando, para tal, falar português com a sonoridade daqueles idiomas).

No mundo da edição, os editores mais velhos dominam o francês e o inglês – pelo menos –, mas o que se passará com as novas gerações? (É evidente que o desconhecimento da língua nunca foi obstáculo à publicação de um original, mas a fluência num idioma traduz a proximidade do falante com determinada cultura, o que pode influenciar as suas escolhas). Como exercício prático, fui ver a lista de obras publicadas nos últimos três anos na editora (contando apenas as novidades) e qual a língua em que foram escritas. Eis a lista:

A predominância do inglês é evidente, embora não esmagadora (o alemão e o italiano são parentes pobres, mas foram-no sempre).

Olhando para o mercado, numa análise breve, e como tal falível, parece-me que a ficção mais generalista, ou mass market, está completamente nas mãos do inglês, realidade que tenderá a acentuar-se; os catálogos literários de referência ainda incluem autores franceses, ou de expressão francesa, mas principalmente nomes consagrados. Apesar de tudo, a produção editorial francesa, e em todos os géneros, é pujante, mas tenho para mim que vai tendo cada vez mais dificuldades em ver-se publicada (e traduzida) fora das suas fronteiras; talvez não por acaso, o Ministério da Cultura francês patrocina activamente a publicação de autores e obras franceses no estrangeiro. Por outro lado, a sobreprodução em língua inglesa e o poder da máquina que a promove junto de outros mercados abafa a produção de qualidade oriunda de outros países, em especial de França e da Alemanha, mas também de Itália e de Espanha (não consideremos por ora a Europa escandinava ou de Leste). Se os editores não fizerem o esforço de procurar e destrinçar o que se vai publicando noutras línguas, a máquina vai lentamente apertando o crivo às línguas que passam.

Dirá o leitor menos atento a estas minudências que o que lê é sempre traduzido. Pois é, mas vai-se vendo reduzido a ler textos traduzidos de uma só língua; e, por muito diversificada que seja a produção cultural nessa língua, e é-o, de facto, é sempre triste ver uma língua – e a sua cultura – ir definhando.

(*) Pedro Bernardo, licenciado pela Faculdade de Letras de Lisboa, é director editorial de Edições 70, tendo ainda a seu cargo a produção da mesma editora, onde desempenha funções desde 2000. No seu percurso profissional foi, também, tradutor e revisor.
-
Consulte a oferta de formação da Booktailors na barra lateral do blogue.