terça-feira, 16 de junho de 2009

Opinião: Esperteza saloia, por Eduardo Pitta

Excepcionalmente, e pela primeira vez, hoje é dia de opinião no blogtailors. A pertinência do texto de Eduardo Pitta, a quem agradecemos uma vez mais, justifica-o. Em conformidade, apenas publicaremos um novo texto de opinião na próxima sexta-feira (a terceira parte do ensaio de Miguel Conde).

ESPERTEZA SALOIA,
por Eduardo Pitta (*)

No passado dia 14, na sua coluna do Público, Vasco Pulido Valente tornou público um caso extraordinário. O seu romance Glória, editado em 2001 pela Gótica e pelo Círculo de Leitores, chegou, em Outubro do ano passado, sem conhecimento e autorização sua, à 5.ª edição. Dando de barato a falta de consideração pelo autor, que não foi tido nem achado, isto pressupõe que estão esgotadas as quatro edições precedentes. Porém, segundo Vasco Pulido Valente, nunca a Gótica (ou seja, desde 2001) lhe prestou contas dos direitos de autor.

O ponto é a Gótica, porque foi a Gótica que foi absorvida por uma nova entidade empresarial, chamada Medialivros, SA, que também detém a Difel e a Inapa, e foi a nova empresa a decidir a famosa 5.ª edição, notificando o autor ao fim de sete meses de consumado o facto.

Eu não tenho formação jurídica, nem o Vasco Pulido Valente precisa dos meus conselhos, mas, por muito menos (em sede de literatura), já vi providências cautelares terem eficácia. Até porque é o próprio autor a exarar:

«Devo, assim, declarar que não autorizei a reedição de Glória, que nunca reeditaria o livro na sua forma actual e que desaconselho a toda a gente a sua compra. Tanto mais quanto a Medialivros, SA, sob o seu nome de Gótica, resolveu acrescentar ao título — Glória — um subtítulo grotesco, digno de tablóide, que desvirtua inteiramente a natureza do estudo de história cultural, que na realidade escrevi: “A vida do político, jornalista e criminoso José Cardoso Vieira de Castro.” Tencionava rever e corrigir o livro (um dos que, aliás, prefiro). O comportamento da Medialivros, SA Torna por um longo tempo esse projecto impossível.»

Também me causa estranheza um contrato de edição celebrado em 2001 continuar válido ao fim de oito anos, sem cláusula de excepção.

Vasco Pulido Valente não é obrigado a saber que a Medialivros comprou três editoras, uma delas a Gótica, reeditando os respectivos catálogos à revelia dos autores. Quando o grupo Leya comprou este mundo e o outro, os autores foram informados dos trâmites do negócio, houve gente que negociou forte e feio (como devia), gente que levou a melhor, gente que pôde intuir os prós e os contras, gente que ficou, gente que percebeu que ia ficar no limbo e gente que assumiu a ruptura. E os media não se calaram! A Medialivros ninguém sabe o que é. Até pode vir a ser um grande grupo, dinamizando as três chancelas que absorveu. Mas não pode tratar obras literárias como latas de sopa Campbell.

Portanto, como lhe compete, Vasco Pulido Valente não está com meias-medidas. Desaconselha a compra da 5.ª edição da obra, acrescentada de um subtítulo apócrifo, o qual, como sublinhou o historiador ao Diário de Notícias, «desvirtua inteiramente a natureza de estudo de história cultural que na realidade escrevi».

Uma história de facto extraordinária. Ao comprar a Gótica, assumindo como seu o catálogo publicado, a Medialivros tem a obrigação de prestar contas de tudo o que ficou para trás. A Gótica (vamos imaginar) foi negligente nos compromissos contratuais? Azar da Medialivros, que devia saber o que comprou e, agora, terá de responder pela leviandade.

(*) Eduardo Pitta nasceu em 1949. É escritor, poeta, ensaísta, crítico, colunista da revista LER e autor do blogue Da Literatura. O livro mais recente é o romance Cidade Proibida (2007). Nos próximos meses, será publicado o volume de ensaios Classe de Poesia. Web pessoal: http://www.eduardopitta.com/.
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