terça-feira, 16 de junho de 2009

Gilda Lopes Encarnação, tradutora de A Montanha Mágica em entrevista

Pedro Justino Alves entrevistou a tradutora que verteu, pela primeira vez, para Português de Portugal directamente do alemão, a obra de Thomas Mann. Excertos (que não dispensam a leitura integral da entrevista, aqui:

Como foi o processo de tradução? Leu em primeiro lugar o livro e só depois traduziu? Ou leu e traduziu ao mesmo tempo?
Como já conhecia a obra, não a li na íntegra antes de iniciar a tradução. Ia lendo capítulo a capítulo, antes de iniciar a respectiva tradução. Usei o método de sempre, que é o seguinte: fidelidade tanto quanto possível ao autor e à obra que se traduz, tentativa de conservar as marcas estilísticas e linguísticas do autor, bem como as suas escolhas semânticas; conservar o tom da obra e as marcas de poeticidade; traduzir de modo a que o leitor de língua portuguesa leia a obra traduzida sem se aperceber de que é uma tradução, isto é, com a naturalidade e fluência com que um leitor de expressão alemã lê o original. A única diferença em relação a tradução anteriores foi a criação de um mini-dicionário Thomas Mann, com expressões e termos que se repetem ao longo da obra, sobretudo Leitmotive, que caracterizam personagens, indiciam ambientes, sugerem uma atmosfera. Devido à extensão da obra (mil páginas em alemão), este método tornou-se necessário a fim de não perder a visão de conjunto sobre a mesma.

Foi complicado fazer a tradução? Porquê?
A linguagem de Thomas Mann não é fácil, a estrutura sintáctica também apresenta algumas dificuldades e o universo de significações de A Montanha Mágica é tão vasto e complexo que implica um conhecimento muito profundo da sociedade e da época do início do século XX, da história das ideias do Ocidente (sobretudo das correntes filosóficas) e do próprio espaço geográfico e paisagístico retratado na obra.

Devido à obra em si, uma referência mundial, sentiu alguma maior pressão em termos pessoais?
Não! Qualquer tradução merece o mesmo respeito e humildade da parte do tradutor.

Porque acredita que o livro demorou tantos anos para ser traduzido directamente do alemão?
Possivelmente porque esteve disponível no mercado livreiro português, até muito tarde, a tradução de Herbert Caro, feita do alemão para o português do Brasil e depois adaptada ao português europeu.

Acredita que esta tradução é mais próxima da versão original do autor?
Esta tradução obedece a um cuidado e rigor estilísticos e, de um ponto de vista geral, linguísticos muito mais elevados do que a anterior tradução. É nesse aspecto que reside a principal diferença entre ambas as traduções: a preocupação com a palavra, com as escolhas do autor no original, com a naturalidade do discurso.

(...)

Em relação a sua área em concreto, como vê a tradução no nosso país?
A tradução da literatura alemã no nosso país apresenta ainda muitas lacunas, porque, a par dos clássicos, dever-se-ia considerar também a literatura mais recente (contemporânea e pós-moderna). Há que atender igualmente ao que se escreve na Áustria e na Suíça e não apenas na Alemanha e dar mais relevância ao teatro e à poesia e não só à narrativa. Há um imenso trabalho por desenvolver. É necessário que sejam criadas equipas de tradutores a trabalhar no mesmo autor, como se faz de momento para Musil ou Jürgen Habermas, pois só as equipas podem dar uma resposta coesa e consequente a grandes projectos detradução. É necessário ter mais cuidado com o que se traduz, porque nem tudo vale a pena. Atente-se na literatura efémera, superficial e supérflua que é hoje traduzida no nosso país e que enche os escaparates da maior parte das livrarias.

(...)

Consegue-se viver da tradução?
Como actividade paralela, sim; como actividade principal, ninguém o consegue. As editoras pagam no final da tradução, o que pode durar anos, e o honorário não é muito elevado (para o trabalho desenvolvido).