quarta-feira, 27 de maio de 2009

Opinião: Sopa de Livros ou os ingredientes da Feira, por Luís Ricardo Duarte

SOPA DE LIVROS
OU OS INGREDIENTES DA FEIRA,
por Luís Ricardo Duarte (*)

Parecem ter funcionado as alterações introduzidas este ano na Feira do Livro de Lisboa, com reflexos na do Porto, que começa no dia 27. Em declarações à imprensa, o presidente da APEL fez um balanço positivo, adiantando um aumento de 10 a 20 por cento de visitantes e de vendas. Motivos suficientes para Rui Beja estar satisfeito com o trabalho realizado em menos de um ano, combatendo os fantasmas da crise e dos desentendimentos da edição passada.

Para quem visitou a feira, as alterações foram visíveis. Os novos pavilhões (embora frágeis) deram um ar renovado ao Parque Eduardo VII e a calendarização não afastou visitantes. Só os horários ainda precisam de acertos. Com este balanço, os desafios que agora se colocam à Feira do Livro são de outra natureza. Dizem respeito à sua essência e à forma como ela se coloca no panorama cultural da actualidade.

A discussão é antiga. Ao lado de feiras realizadas no estrangeiro, a de Lisboa carece de uma forte identidade. Não é livreira e vocacionada para a simples venda e promoção do livro. Nem é editorial e com enfoque nas questões do sector. Não é carne, nem peixe, mas aí pode estar o seu sucesso. E as recentes alterações na cadeia do livro, com a criação de grandes grupos editoriais, que incluem redes livreiras, podem ter atenuado esse conflito de interesses.

A Feira do Livro é uma iniciativa que interessa a todos os grupos e editoras, na medida em que lhes permite angariar fundos directos e fazer face às regras de distribuição cada vez mais apertadas. E só faz sentido rentabilizar esse objectivo.

A começar pelos descontos. Não há visitante que não associe qualquer feira à ideia de quantidade. Comprar muito por pouco. Quer isto dizer que as visitas são directamente proporcionais aos descontos oferecidos. Os «livros do dia» ajudam e algumas promoções especiais também, mas não são suficientes. Uns porque são anunciados com pouca antecedência, outros porque não abarcam todos os títulos.

Estes descontos – como os que se fizeram no último dia, com colecções inteiras à venda por metade do preço – só fazem sentido numa Feira que traga novidades. Ou seja, que concentre nesta altura do ano, como se faz na rentrée e nas Correntes D’Escritas, um conjunto significativo de lançamentos.

Claro que não basta ter lançamentos, por mais aguardados que sejam. É preciso divulgá-los no âmbito da programação cultural. Há quem seja a favor, há quem seja contra as actividades em torno do livro e não só. O certo é que ninguém pode negar uma das principais tendências da cultura contemporânea: a oferta massificada dos festivais de cinema, de música ou de literatura.

Como nunca, o público procura, em pouco tempo, experiências muito diferentes, um leque diversificado de criações que, depois, ao longo do ano, aprofunda através da Internet, do iPod, das salas de cinema e das livrarias.

Este ano houve um aumento de actividades culturais, mas talvez seja possível fazer mais. O melhor exemplo disso foi a programação em torno do Brasil, país convidado. Que sentido faz realizar-se quase em simultâneo, em Lisboa, na Casa Fernando Pessoa e no Teatro São Luiz, um encontro de escritores – Letras em Lisboa –, em que o Brasil e a Lusofonia são dois dos principais temas e vectores?

Não seria possível juntar as duas iniciativas? Ou encher um auditório com um escritor consagrado, à semelhança do que aconteceu recentemente, no CCB, com Ian McEwan? Ou, como fazem há dez anos as Correntes D’Escritas, rentabilizar a presença de autores portugueses além das sessões de autógrafos? Ou ter feito a estreia nacional do último filme de Manoel de Oliveira, Singularidades de uma Rapariga Loira, na Feira do Livro de Lisboa (ou do Porto), justamente por se tratar de uma homenagem a Eça de Queirós (e à sua família)? Ou organizar um conjunto de concertos sobre músicos/escritores, com Jacinto Lucas Pires, valter hugo mãe e Fernando Ribeiro, entre outros, já para não falar em Chico Buarque? Edgar Morin esteve há pouco tempo em Portugal – não podia ter passado pela Feira do Livro?

São só exemplos. E não se trata de usar na Feira do Livro a ancestral fórmula das sopas caseiras: misturar sem critério todo e qualquer ingrediente porque o resultado é sempre bom e energético. Trata-se apenas de reconhecer a importância de criar efeitos mediáticos (em vez de estar à espera de que a comunicação social os crie, como aconteceu com Amadeo Souza-Cardoso, na Gulbenkian, ou com os festivais de cinema). E de perceber que descontos, lançamentos e uma programação paralela original beneficiam editores, livreiros, autores e leitores.

(*) Luís Ricardo Duarte nasceu em Lisboa, em 1977. É jornalista do JL, desde 2003. Foi director do jornal Os Fazedores de Letras, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde se licenciou em História, variante História da Arte.