sexta-feira, 8 de maio de 2009

Opinião: Os livros obsoletos, por Jorge Palinhos

OS LIVROS OBSOLETOS,
por Jorge Palinhos (*)

Tal como nas redacções da primeira classe, gostaria de começar este texto por dizer que gosto muito de uma coisa. Gosto muito da IKEA. Gosto porque é um espaço muito bem pensado, onde é fácil encontrar aquilo que queremos e onde a empresa consegue transmitir a ideia de que se preocupa com os seus funcionários e com os seus clientes. Mas gosto ainda mais da IKEA porque é um sítio onde se podem comprar estantes baratas para livros.

Tenho uma relação mais afectiva do que racional para com os livros. Compro mais livros do que aqueles que conseguirei ler. Compro livros em duplicado porque não resisto a uma bela edição. Compro livros de bolso das belas edições porque tenho medo de as estragar se as levar no bolso do casaco ou na mala. Sou incapaz de deitar livros fora ou mesmo de recusar livros que nunca lerei.

E por isso tenho um grande problema de prateleiras. Problema que ultimamente ainda me pesa mais quando olho para os meus livros obsoletos.

Os meus livros obsoletos são os livros que fui comprando por dever profissional e agora me enchem as prateleiras. São enciclopédias, dicionários enciclopédicos, dicionários de português, dicionários de inglês, dicionários de sinónimos, dicionários idiomáticos, dicionários etimológicos, dicionários biográficos, dicionários de história, dicionários de economia, dicionários de filosofia, dicionários de mitologia, dicionários de medicina, dicionários de biologia, dicionários de ciência e de tecnologia, um dicionário de Shakespeare, dicionários de calão, dicionário de bruxaria e até de métodos de adivinhação. E prontuários, vários, gramáticas de inglês e de português, livros de etnologia e de geografia e outros livros técnicos. Livros que fui comprando numa altura em que o mundo estava menos ligado, em que a informação se procurava nas obras de referência, nas fichas bibliográficas de bibliotecas, a folhear livros durante horas ou a falar com especialistas.

Hoje é raro abrir alguns destes livros que me foram tão úteis. Basta ligar-me à internet e digitar o termo e aparecem-me milhares de entradas do Google. A Wikipédia dá-me informação actualizada ao minuto com hiperligações. Tenho dezenas de glossários e dicionários especializados online, monolingues, bilingues, trilingues e, se não encontrar em mais lado nenhum, coloco a minha dúvida no Twitter, no Facebook, no ProZ, num dos milhares de fóruns especializados e, de repente, tenho dezenas ou centenas de especialistas de todo o lado a darem-me as respostas precisas, pormenorizadas, polémicas e contraditórias que são inerentes ao próprio conhecimento.

Por isso, aos poucos, desaprendo de procurar a informação nos livros, impaciento-me de folhear centenas de páginas em busca de uma palavra minúscula e habituo-me a que toda a informação de que preciso possa estar à distância de umas teclas ou de uns cliques.

Olho os meus livros obsoletos nas prateleiras e penso nisto. E depois olho os meus restantes livros, aqueles que já têm lugar em prateleiras e aqueles que ainda esperam uma ida à IKEA e pergunto-me quais desses outros livros, os livros de referência, os livros de ensaio, os livros de história, os livros de não-ficção ou até mesmo os livros de ficção, poderão também tornar-se obsoletos e eu me venha a deparar com dúzias de prateleiras da IKEA tão baratas quanto inúteis.

(*) Jorge Palinhos é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas e mestre em Terminologia e Tradução. Trabalhou como tradutor para várias editoras, como coordenador editorial e como gestor de conteúdos. Actualmente é tradutor freelance e consultor linguístico.
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