ACERCA DA TECNOLOGIA, DAS PUBLICAÇÕES ACADÉMICAS E DA JUSTIÇA SOCIAL,
por Pedro Patacho
Qualquer pessoa que conheça razoavelmente o meio académico já deverá ter compreendido que a publicação digital se está a impor neste meio com uma particular pujança de há uns anos a esta parte. Uma enorme quantidade de periódicos científicos mantém as suas edições em papel a par das edições digitais, enquanto que muitos outros já só têm edição digital. Destes, uma quantidade apreciável disponibiliza os seus conteúdos de forma inteiramente gratuita. É também comum, em várias áreas do conhecimento, encontrar livros e capítulos de livros disponíveis em linha de forma totalmente gratuita. Ao mesmo tempo, os espaços de publicação alargaram-se, proliferando blogues, fóruns..., ainda que haja a distinguir os espaços de publicação com revisão pelos pares daqueles que são de publicação livre.
Há a adicionar a este facto o fim a que se destinam as publicações académicas, sejam periódicos ou livros. Quem se interessa por este tipo de conteúdos adquire-os no âmbito das suas actividades académicas, o que implica um minucioso estudo desses materiais. Anotá-los, riscá-los, sublinhá-los, transportá-los, cruzá-los com outras leituras,... são hábitos comuns no estudo deste tipo de conteúdos.
Podíamos desfiar aqui mais factos semelhantes, porém, estes dois são suficientes para compreender que, dentro de algum tempo, a publicação académica digital esmagará irremediavelmente os livros e os periódicos em papel. E o principal motivo tem a ver essencialmente com o carácter utilitário deste tipo de publicações. É incomparavelmente mais vantajoso para qualquer aluno, aluna, docente ou investigador tê-las em formato digital. Para além de livros, são instrumentos de trabalho!
Colocam-se estimulantes desafios aos editores académicos. O caminho que se vislumbra não será fácil e exigirá boas doses de criatividade. Portugal é demasiado pequeno, pelo que há que ligá-lo ao Brasil e aos países africanos de língua portuguesa. Há que intensificar a edificação de redes baseadas na publicação académica digital e na ampla difusão de tais conteúdos. Com efeito, vivemos uma época extraordinária da produção e publicação do conhecimento científico, uma época em que se abrem múltiplas possibilidades de divulgação e em que, verdadeiramente, os limites estão na nossa imaginação.
Mas se é verdade que para milhões de pessoas a world wide web e tudo que esta permite é já tão trivial como um copo de água, para outros, e estamos também a falar de milhões, ela é tão inacessível como o próprio copo de água.
Uma das missões primeiras da universidade, a par da produção de conhecimento, é devolvê-lo à comunidade e, com isso, contribuir para que as pessoas construam um entendimento mais sofisticado da sua circunstância. Pois se tal é ainda raro nos tempos que correm, devemos interrogar-nos com preocupação se o continuará a ser quando a publicação académica for essencialmente digital.
É por isso que toda esta euforia digital não pode deixar de ser perspectivada como um importante desafio à injustiça social que mantém arredadas do conhecimento científico milhões e milhões de pessoas. O contrário será a perpetuação das relações de poder que mantêm subordinadas na ignorância largas franjas da população. É urgente estimular a participação de todas as pessoas e grupos na vida social, apoiada pelo acesso fácil e gratuito à ciência. É que, se para muitos de nós ela está a distância de um «clic», uma imensa quantidade de pessoas nem faz ideia da sua existência.
Então, para além das questões do suporte, impõem-se questões redistributivas urgentes cujo alcance se afigura crucial se, como editores académicos e divulgadores da ciência, estivermos empenhados na construção de uma sociedade mais igualitária.
(*) Pedro Patacho nasceu em Lisboa, em 1977. É professor de Matemática e de Ciências da Natureza no Ensino Básico, actividade profissional que desenvolve ininterruptamente desde 1999. Mestre em Educação pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, frequenta actualmente o programa de Doutoramento em Educação na Universidade da Corunha, Espanha. Em 2004, sentindo o panorama da publicação académica em Portugal e entendendo a necessidade de um projecto alternativo que oferecesse aos leitores mais possibilidade de escolha, criou as Edições Pedago, essencialmente vocacionadas para a publicação em Educação e Ciências Sociais, onde se mantém como editor e director editorial das Edições Pedago.
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