terça-feira, 12 de maio de 2009

A nova economia dos livros, por Lúcia Crespo (Jornal de Negócios de 04.05.2009)

«A guerra das editoras pode passar pelo controlo do retalho

Mais do que concentração, assiste-se a um fenómeno de “sobreconcentração”.

A palavra concentração já não chega para caracterizar o mercado editorial.“ Sobre concentração” é a expressão adoptada por José Afonso Furtado, autor do livro “A Edição de Livros e a Gestão Estratégica”. “Não se trata apenas da agregação de casas editoriais com catálogos complementares. Hoje verificamos diferentes tipos de concentração dentro dos mesmos grupos”.
Em Portugal, para já, assiste-se a uma concentração de editoras em poucos grupos. “Há uma concorrência muito feroz entre duas grandes casas que, neste momento, dominam o mercado da edição em Portugal: a Leya e a Porto Editora”, salienta José Afonso Furtado.

Em conjunto, estes dois grupos editoriais portugueses facturaram mais de 180 milhões de euros no ano passado, um montante que lhes garante uma quota de mercado em valor na ordem dos 47%.

De acordo com a empresa de estudos de mercado DBK, o sector editorial português atingiu, no ano passado, 380 milhões de euros, uma descida de 1,3 face a 2007. Segundo a empresa, depois da Leya e Porto Editora, estão, na hierarquia do mercado, a DirectGroup, a Ediclube e a Civilização Editora.

“As pequenas editoras, só com muitadificuldade vão sobreviver à junção das políticas de esmagamento dos grandes grupos(já alguém reparou que é raro encontrar um livro publicado por um grande grupo a mais de 16 euros?”, comentava na edição de Janeiro da revista “Ler”, Hugo Xavier, editor da Cavalo de Ferro, semanas antes da empresa ter sido comprada pela Fundação Agostinho Fernandes. “Aos grandes grupos surgirá a possibilidade de comprar marcas e catálogos de peso por quase nada. E as pequenas editoras terão de o aceitar ou falir”.

“Receio que a actual situação económica, a concorrência brutal, e as exigências de rentabilidade à edição tendam a diminuir a gama de oferta de produtos ao consumidor”, alerta José Afonso Furtado. “Tem de se tentarque, ao lado dos grandes grupos, consigam manter-se editoras denicho, independentes, de pequena e média dimensão”, continua. “Nas franjas do mercado, há taxas de natalidade e mortalidade muito significativas, mas algumas editoras conseguem encontrar nichos de mercado inexplorados ou soluções criativas e inovadoras”.

“Há casas que conseguem manter a sua identidade, como a Assírio & Alvim, que aposta na edição de poesia de qualidade, tendo uma relação de fidelização forte com os clientes”, aponta. “Mesmo a Cavalo de Ferro, que se associou à Fundação Agostinho Fernandes, sobreviveu graças a uma aposta na ficção de autores nórdicos”, acrescenta. “Outras editoras têm uma política arguta de alianças pontuais, como é o caso da Cotovia e da Relógio D’Água, que lançam colecções conjuntas de livros de bolso”, indica.

Um dos maiores problemas que as editoras enfrentam é a negociação “desequilibrada” com a distribuição e o retalho. “É normal uma distribuidora ficar com 60 das receitas. Quanto é que fica para a editora e para o autor?”, aponta José Afonso Furtado. “Nos Estados Unidos, há uma luta de titãs entre as grandes cadeias de distribuição e os grandes grupos editoriais. É uma luta séria e equilibrada. Aqui pode ser desequilibrada, em especial para as pequenas editoras, que não têm margens para negociar”, ressalta.

E se um dos grandes grupos editoriais portugueses apostar na distribuição e no retalho para controlar toda a cadeia de produção? “Se eu for mau e tiver acesso à distribuição, exigindo condições draconianas ao concorrente, ele terá de aceitar ou, então, procurar formas alternativas de fazer chegar os livros aos consumidores”, responde. “Vejo que a guerra ainda não acabou. Passará pelo controlo do retalho por parte das editoras ou vice-versa”.»