terça-feira, 12 de maio de 2009

Escritores divergem nos livros virtuais, por Lúcia Crespo (Jornal de Negócios de 04.05.2009)

RUI ZINK
«Se o livro impresso acabará um dia? O teatro acabou com a rádio? A rádio acabou com a televisão? (Ou viceversa?) Não, claro. Mas o livro electrónico vai suplantar o livro em papel no chamado mundo-próspero, sim. Em menos de 20 anos, o papel do livro em papel será ainda mais residual do que já é hoje.

Convergência? Já há. Veja a Amazon e o Kindle, a Sony e a Barnes & Noble. Muitas editoras americanas já lançam ambas as versões ao mesmo tempo. Ler ficção num “eBook reader” é agradável. Os “portugas” é que acham que o que fazem por mero hábito está certo por direito divino. As editoras não estão preparadas, como de costume.
Nem sequer para o audiolivro, que existe há mais de 30 anos! Os autores estão-se nas tintas, querem é ser lidos e, se possível, enriquecer em nome da Paz & da Cultura.»

MIGUEL SOUSA TAVARES
«Não acredito nos “eBooks” nem nos jornais “online”. Um livro é um livro. É algo que se arruma, olha-se. Cheira-se. Perguntarem-me se acredito nos “eBooks” é a mesma coisa que me perguntarem se creio que, no futuro, o teletransporte vai substituir o automóvel. Tenho pena de quem já se rendeu aos livros virtuais. É como o fenómeno das redes sociais. Não existe qualquer contacto físico. Se o futuro está nas redes virtuais, então vamos termuitos candidatos a psicanálise. Claro que eu também utilizo a Internet para consultar “e-mails”, fazer pesquisas rápidas, mas um livro.... E nada disto se trata de uma mera visão romântica. Também nunca acreditei nos “audiobooks”. Os livros são para ser manuseados. Um livromeu virtual? “Not in my lifetime!” [nunca na minha vida!].»

ROSA LOBATO FARIA
«Um livro não é mero conteúdo. É tudo o que o envolve. Cheiro, formato, folhear as páginas. Então se o papel for agradável... Há uma relação física com os livros. Tenho mais de cinco mil em casa. O livro impresso jamais pode acabar. Não me interessa. Eu, pessoalmente, morreria. Com as novas gerações, talvez haja coexistência.»

JOSÉ VEGAR
«Existirão duas linhas de edição: uma de livros de luxo, impressos, relacionados especialmente com ficção e poesia, e uma de cada vez maior desmaterialização dos restantes géneros, através dos ficheiros digitais. Todos os livros de trabalho, como os académicos, serão cada vez mais digitais. Mais do que uma convergência, haverá opções editoriais. Impresso será aquilo que o leitor considere passível de ser adquirido pelo preço de um objecto de luxo. O que eu penso que tem de ser resolvido é a questão técnica. Se o livro digital for bonito, fácil de ler e especialmente conveniente (isto é, em todo o lado e em qualquer posição), então todos os géneros poderão ser impressos digitalmente. As editoras parecem me, estranhamente, muito reticentes em tudo o que se relacione com desmaterialização, talvez porque a impressão continua a ser um excelente negócio. Em relação ao leitor digital, penso que ele é ainda muito urbano e com grande conhecimento digital, isto é, uma minoria. Mas é preciso não esquecer que o livro desmaterializado permite romper o isolamento geográfico e a periferia. Assim sendo, quando o leitor comum descobrir o ouro....»

MARGARIDA FONSECA SANTOS
«O prazer da leitura passa também pelo prazer físico de segurar no livro, folheá-lo, voltar atrás, espreitar para a frente, até mesmo cheirá-lo! Já para não falar nas anotações que escrevemos em determinadas páginas, da memória de um determinado parágrafo que procuramos numa determinada zona do livro. Isso nunca se vai perder.

Eu acho, sobretudo, que vão ser complementares. Os “eBooks” podem chegar a pessoas que, de outra forma, não os leriam. Qualquer estratégia que desperte o gosto pela leitura é bem vinda. Não podemos esquecernos de que o preço dos livros e o isolamento geográfico de alguns pontos do país são entraves à leitura que precisam de ser menorizados.»

MIGUEL ESTEVES CARDOSO
«Eu leio romances, jornais e artigos no meu “eBook reader”, em especial quando estou fora de casa. Não acho nada estranho. Uma pessoa que goste de ler, lê tudo e de qualquer maneira. Acho que vai existir paralelismo entre “eBooks” e livros físicos. É verdade que os “eBooks readers” actuais ainda não têm cor, mas é uma questão de tempo.»

DEANA BARROQUEIRO
«Não penso que o impresso venha a acabar, mesmo que o “eBook” tenha (e julgo que terá) muita saída, porque o livro é uma criatura física, quase viva, cujo corpo tocamos, que se saboreia e sabe bem ao tacto, com o seu odor próprio e cujo rosto (a capa) pode ser uma obra de arte que gostamos de ter connosco, de abrir em qualquer lado, como um presente. Haverá sempre leitores com esse prazer sensual pelos livros, de amantes de ocasião ou de longa ligação. Deixar de publicar livros em suporte papel tornaria o mundo muito mais pobre, não quero sequer imaginar isso. [A convergência] será a tendência e a atitude mais inteligente, pois são suportes diferentes, para serem lidos em circunstâncias e situações diferentes. Creio, todavia, que para a ficção se torna um meio muito mais pobre e frio, pelas razões que apontei acima.»