PRESOS NUM ENGARRAFAMENTO,
por Eduardo Pitta (*)
Passou praticamente um ano desde que Paulo Teixeira Pinto, reformado da presidência do Millennium BCP, comprou a Guimarães Editores. Numa entrevista que então deu a Francisco José Viegas, para o n.º 69 da LER (o primeiro da segunda série da revista), falou dos projectos e do sentido que fazia investir na área da edição. Não quer, disse ele, ser um mecenas, mas também não quer, acrescentou, «fazê-lo para ganhar dinheiro». Único objectivo: qualidade. Para o conseguir, rodeou-se de dezoito personalidades (entre outras, Daniel Oliveira, José Barata-Moura e Nuno Rogeiro), «pessoas de qualidade superior para poder ter obras de qualidade superlativa». Antes da fase Paulo Teixeira Pinto, a Guimarães publicou Agustina, Cesariny, O’Neill, Cinatti, Goethe, Bergson, Eliot, Baudelaire, Kafka, Heidegger, etc. Um catálogo e tanto. Na fase Paulo Teixeira Pinto, que dura há um ano, publicou uma colectânea de declarações avulsas de Agustina, Dicionário Imperfeito, organizado por Manuel Vieira da Cruz e Luís Abel Ferreira, além de reedições de Oliveira Martins, Joaquim Paço d’Arcos e outros. Presumo que o conselho editorial esteja preso num engarrafamento.
Sem ofensa, isto das editoras e das livrarias diletantes lembra-me sempre os comes e bebes. Não conheço nenhum assalariado, médico, artista, bancário ou socialite que não sonhe abrir um restaurante. Nenhum domina os rudimentos da restauração, mas todos se consideram aptos à empresa. Meia dúzia cresceu em casas onde havia boas cozinheiras, a maioria viaja, todos socializam. Nos jantares em que estas coisas se «discutem», em regra a partir da segunda garrafa de Mouro 2005 (Miguel de Orduna Viegas Louro, da Quinta do Mouro, Estremoz, para Dirk Niepoort), distribuem-se lugares: «Tu tratas das relações públicas, eu fico na sala...» A maioria leva-se a sério, e alguns, para desgraça colectiva, até cometem.
Com os livros passa-se o mesmo. Atribuem-se virtudes encantatórias às palavras: «Vamos privilegiar as editoras da margem... porque os pequenos editores são a nossa prioridade.» Há trinta anos, quando as editoras da margem davam prestígio aos autores, os dedos de uma mão chegavam e sobravam para contar as que aceitavam (e só à consignação) os «pequenos» editores. Nesse tempo, a Buchholz fazia vista grossa a tudo o que fosse menos que Mondadori, Faber and Faber ou Farrar, Straus & Giroux. Felizmente, a Amazon repôs a realidade.
Umas vezes por naïveté, outras por ignorância, quase sempre por falta de sentido das proporções, a concepção que les beaux esprits têm do mercado (sim, do mercado, porque mexer com livros não os isenta das regras da economia) está na origem de flops sucessivos. O da Byblos, por exemplo, nem a cenoura tecnológica o salvou. Num mundo em que todas as bibliotecas de Alexandria estão à distância de um clique, o amadorismo não tem desculpa.
(*) Eduardo Pitta nasceu em 1949. É escritor, poeta, ensaísta, crítico, colunista da revista LER e autor do blogue Da Literatura. O livro mais recente é o romance Cidade Proibida (2007). Nos próximos meses, será publicado o volume de ensaios Língua dos Eleitos. Web pessoal: http://www.eduardopitta.com/.
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